Criada por Hwang Dong-hyuk, Round 6 encerra seu terceiro arco com pontos altos, e também alguns baixos, finalizando com coerência, e dividindo o público no processo.
Obs: a seguinte crítica contém spoilers da última temporada de Round 6.
Lançada em 2021, Round 6 rapidamente cativou o público por sua brutalidade e originalidade, abrindo portas para diversas outras produções sul coreanas realizadas pela NETFLIX, e enfatizando a força do cinema mundial.
Com uma forte crítica ao sistema capitalista e à luta de classes, a produção serviu como discussão em muitas áreas, apesar de seu contexto de violência, por consequência, dentro de um serviço capitalista como a NETFLIX, derivados e sequências da produção começaram a serem produzidos, entre elas um reality show que desvirtua por completo a mensagem da produção original, além de “duas temporadas” que encerra o arco de Gi-hun.
Round 6 não necessitava de uma continuação, porém, inevitavelmente tivemos, assim, em seu terceiro e último arco, a produção apresenta alguns destaques, entre eles possivelmente o melhor episódio da série, e tropeços inevitáveis para uma série que pretende se estender mais do que deveria, como as votações dos participantes que ficaram ainda mais cansativas.
Para analisar este último arco, é necessário relembrar do último episódio da primeira temporada, quando Gi-hun faz uma aposta com Oh Il-nam, que um morador em situação de rua, congelando em plena nevasca, receberia ajuda. Quando o tempo limite estava quase se encerrando, ele é salvo por um estranho, provando a fé de Gi-hun na bondade da humanidade.
Quando Gi-hun retorna ao jogo com o intuito de destrui-lo internamente, encontra novamente pessoas mesquinhas e egoístas, porém, também encontra pessoas boas, como Hyun-ju (jogadora 120), Geum-ja (Jogadora 149) e principalmente Jun-hee (jogadora 222), a chave para compreender todo o arco emocional deste final de Round 6.

Geum-ja, Jun-hee e Hyun-ju em cena de Round 6- Divulgação NETFLIX
Se olharmos as redes sociais desde o final da temporada, muitos criticam a NETFLIX e defendem um final mais otimista, com todos vivos e bem, ou com seus personagens favoritos vitoriosos, esquecendo qual a série que estão assistindo, e o que fez Round 6 tão popular para início de conversa: é um jogo mortal que somente sobrará um, não existiria a possibilidade da série ter um final feliz, porém, ninguém disse nada sobre um final esperançoso.
Gi-hun é um homem inerentemente bom. Esta é a sua maior força dentro de um jogo que a humanidade está cada vez mais perdendo o contato com si mesma. Refletindo sobre, acredito que Round 6 não é uma série sobre lutas sociais e capitalismo, é uma série sobre humanidade.
Após a tentativa fracassada no final da última temporada, Gi-hun perde a fé em si mesmo e no próprio jogo, se martirizando sobre os acontecimentos que se sucederam, porém, bem perto de si, Jun-hee segurava um símbolo de esperança e pureza, que traz um das escolhas narrativas mais interessantes deste último arco: um bebê.
O símbolo do bebê é um artifício muito usado no cinema, e na literatura, como uma forma de representar esperança e novos caminhos, apesar dos tempos sombrios. Entre vários exemplos, cito aquele que mais ressoa comigo que é o de Rashomon (1951, Akira Kurosawa), uma das melhores produções da sétima arte, e uma também das mais sensíveis.
O contraponto entre o inocente bebê de Jun-hee, que nasce dentro de um caótico jogo de esconde-esconde, um dos episódios mais maduros da série, é gritante. Quando a mãe morre e o bebê entra em seu lugar no jogo, o abismo é ainda mais forte, até onde vai a maldade da humanidade que coloca um bebê no jogo para seu próprio entretenimento?

Jun-hee segurando seu bebê em cena de Round 6- Divulgação NETFLIX
Neste momento que volta uma das melhores interações da segunda temporada, e pouco utilizada neste terceiro arco, que é a relação entre Gi-hun e In-ho, o líder do jogo, que incentiva o protagonista a matar seus oponentes com o intuito de conseguir sair do jogo com vida, e com o bebê. Apesar da ideia ser tentadora, Gi-hun não tem forças para, afinal, ele é um homem bom, não tem em si a maldade dos outros competidores.
Esta é uma das maiores reflexões deste final de Round 6, a bondade que ainda existe no ser humano, na forma de Gi-hun e da bebê de Jun-hee, em contrapartida a todos os outros competidores finais, não ironicamente, todos homens.
Em seu ato final, Gi-hun se sacrifica para salvar a bebê, como prometido para a mãe. Em sua fala final, Gi-hun fala uma frase incompleta: “Humanos são…”, dando ao espectador a missão de completar a frase de acordo com o próprio senso de ética, no meu caso, me veio uma frase filosófica que discute os ensinamento de Jean-Jacques Rousseau: “o ser humano nasce bom, a sociedade que o o corrompe”, por consequência, humanos são inerentemente bons, apesar de apresentar potencial para o mal.
O que Gi-hun tenta nos demonstrar com este final, é justamente isso. Não pretende responder um debate filosófico antigo, mas, trazer esperança, ganhando a admiração até mesmo de In-ho, um homem que não apresenta o mesmo pensamento generoso de seu compatriota, mas, o respeita.
Apesar de toda esta reflexão, a última temporada de Round 6 tem muita enrolação, provavelmente com o intuito de cumprir a cota de episódios exigidos pelo streaming, incluindo, mas não delimitado à: o arco de Jun-ho enquanto busca a ilha a procura de seu irmão, que é insatisfatório em muitos níveis; as votações constantes que não levam em nada e somente servem para reafirmar um ponto que o espectador já compreendeu; um grupo de “convidados” bem mais insuportável do que os da primeira temporada, entre outros.

Cena de Round 6- Divulgação NETFLIX
Com o encerramento de Round 6, e o inevitável encerramento de Stranger Things (2016, Matt Duffer, Ross Duffer), a NETFLIX apresenta consciência que perderá duas de suas maiores séries, por consequência, o final da temporada abre portas para futuros spin offs, que sim, são extremamente desnecessários, porém, dentro do sistema que estamos inseridos, não temos escolha se não aceitar este inevitável “progresso”, e torcer para o melhor, afinal, a partir deste final, Hwang Dong-hyuk impede qualquer sequência.
Em questão técnica, esta última temporada apresenta problemas semelhantes à 2º temporada, incluindo quebras no ritmo, personagens menos memoráveis e uma tensão bem inferior àquela que existia quando a produção se iniciou, porém, mantendo uma estética cinematográfica de destaque e uma direção de arte esplendorosa.
Toda produção apresenta uma mensagem potente por trás, quanto melhor a produção, mais mensagens serão encontradas que ressoarão pessoalmente com cada um da audiência. Round 6 se encerra, com consciência de seu legado, apesar de o final decepcionar muitos, caso seja friamente analisado, não existiria outro final possível, nós não vivemos em um conto de fadas, vivemos em um mundo cruel e sombrio que sempre nos derruba, porém, a cada 10 pessoas de índole questionável, existe um Gi-hun, e talvez esta seja a grande mensagem pretendida por Hwang Dong-hyuk: se ele convencer uma pessoa sequer a refletir sobre suas próprias ações, e como ele enxerga a humanidade, terá valido tudo a pena.
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