Dirigido por Alex Scharfman, A Morte de Um Unicórnio é um conto de fadas moderno que perde sua magia ao trocar encantamento por violência gratuita
Sempre que é anunciada uma produção envolvendo criaturas fantásticas ou mitológicas, meu interesse é imediatamente despertado. Afinal, uma das grandes virtudes da arte, especialmente do cinema, é a capacidade de subverter conceitos, ícones e símbolos estabelecidos ao longo de séculos, transformando-os em algo único e contemporâneo. O resultado pode variar: do excelente O Labirinto do Fauno (2006, Guillermo del Toro), passando pelo interessante A Lenda de Ochi (2025, Isaiah Saxon), até o mediano A Morte de Um Unicórnio.
Estes três filmes podem ser considerados contos de fadas modernos, compartilhando elementos clássicos do gênero, como a presença do fantástico, a dicotomia bem/mal, coragem, perseverança e laços familiares, mas transportam estas histórias para épocas distintas, que apresentam diferentes valores e símbolos. Del Toro opta por um pano de fundo histórico, enquanto A Morte de Um Unicórnio situa-se num contexto mais contemporâneo.
No caso de A Morte de Um Unicórnio, a figura central é o próprio unicórnio, criatura que fascina gerações, especialmente crianças e jovens adultos. Símbolo de pureza e inocência, e em algumas versões, encarnação divina, carregando significados que se esvaziam diante de um mundo capitalista e cínico, algo que o filme aborda de forma explícita.

Cena de A Morte de um Unicórnio- Divulgação Universal Pictures
Como o título já entrega, a trama gira em torno da morte desse ser sagrado, após ser atropelado por Elliot e sua enteada Ridley. Marcados por um relacionamento frio e distante após a morte da mãe da garota, eles embarcam numa jornada que mistura rancor, reconciliação e uma dose inesperada de violência, envolvendo unicórnios vingativos e interesses corporativos.
Narrativamente, o filme segue todos os beats clássicos, chegando a homenagear, ou simplesmente copiar, grandes obras como Alien, o 8.º Passageiro (1979, Ridley Scott) e Jurassic Park (1993, Steven Spielberg), facilitando a compreensão da produção, porém, reduzindo a originalidade e desperdiçando o potencial mágico que todo o contexto do unicórnio poderia proporcionar.
Após o atropelamento, Elliot e Ridley levam o animal à casa de Dell Leopold, magnata farmacêutico interpretado por Richard E. Grant. Ao descobrirem que o unicórnio possui poderes curativos, de acne a câncer, surge o previsível desejo de explorá-lo até a última gota. Quando os pais da criatura aparecem para vingar o filhote, a narrativa se aproxima perigosamente de um pastiche de suas principais referencias, levando à mortes que beiram o fetiche.
Ideias promissoras como Ridley ser uma donzela de coração puro capaz de domar o unicórnio, ou a visão da “Máquina do Mundo” ao tocar o chifre, são abandonadas em prol de uma abordagem mais pé-no-chão e violenta, que dilui o encanto. O resultado é um filme com sérios problemas de tom: vendido como comédia sombria, não é engraçado; não funciona como fantasia, não emociona; não se encaixa nem como drama, nem como horror e não consegue convencer, ocasionando um filme sem público definido.

Cena de A Morte de um Unicórnio- Divulgação Universal Pictures
A violência gratuita, que lhe garantiu classificação para maiores de 18 anos, também afasta seu provável público-alvo: crianças e jovens fascinados por criaturas mágicas. No campo estético, a construção do animal é um ponto alto, fugindo do óbvio “cavalo com chifre”, porém, o design visual em geral é simplista e vazio, com exceção do clímax diurno, que oferece uma ambientação curiosamente marcante.
No fim, A Morte de Um Unicórnio é um exemplo claro do risco de mirar alto sem definir com precisão o que se quer alcançar. O resultado é um entretenimento irregular: repleto de boas atuações, uma premissa com potencial, e momentos memoráveis, mas que poderia, e deveria, ter sido muito mais.
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