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  • CRÍTICA | Better Man é uma das MELHORES cinebiografias atuais

    CRÍTICA | Better Man é uma das MELHORES cinebiografias atuais

    Better Man é um ótimo exemplo de como contar a história de um artista sem soar brega, mediano ou esquecível.

    Better Man: A História de Robbie Williams se trata exatamente do que seu subtítulo já indica. E assim, pode haver o questionamento: “Quem é Robbie Williams?”

    Minha resposta é : “Se souber, ótimo! Se não, descubra assistindo o filme!”

    A história de Robbie não é muito diferente das outras que foram vistas com outros cantores nos últimos anos. Ele tinha um sonho, viu potencial na voz, ansiou pela fama e caiu no mundo das drogas no meio da jornada. O grande diferencial está no modo escolhido pelo diretor Michael Gracey para retratar essa personalidade forte e transportar o espectador para esse mundo.

    Durantes suas duas horas, acompanharemos Robbie Williams como um macaco. A ideia veio do próprio diretor ao questionar o cantor como ele se enxergava no decorrer de sua carreira e assim, não dá pra só elogiar o fato de que é possível encontrar o olhar do artista através do efeito do animal, como aplaudir o impacto positivo que isso traz para Better Man.

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    Better Man | Diamond Films

    Ser um macaco destaca o personagem dos outros, mas felizmente também aproxima o espectador. Fica claro o quão destoante aquele homem se sente dos outros, dos amigos e parentes, tal como chama a atenção quando o curto período numa boy band é abordado. As bandas com diversos garotos, mesmo que famosas, tem aquele problema de se ter um padrão. Todos são parecidos, os nomes são confundidos e etc.

    Isso não acontece com Robbie. Fica praticamente impossível tirar os olhos dele. Ainda melhor do que isso, o artista apresenta ter uma famosa doença e ela é representada a partir desse ser selvagem, como um bicho que o caça, persegue e atormenta. Vozes da cabeça representadas por uma face que tal qual pode ser vista como fofa e agradável, também pode ser irritante e ameaçador. Exemplificando muito bem um instinto animalesco que deve ser combatido.

    Com isso, a obra aproveita para brincar com algo mais lúdico e menos pé no chão, lembrando o que Rocketman, de Dexter Fletcher, fez ao utilizar o uso de drogas como uma desculpa para as transições e partes irreais. Aqui, é possível ver por esse lado também, mas a presença do macaco em si já se deixa aproveitar dos efeitos visuais, que estão muito bons, para quebrar a quarta parede, trazer a ação e aproveitar transições, permitindo cenas mais longas com a aparente mesma câmera.

    A montagem se mostra outro ponto positivo, porque mesmo com diversos cortes, plano e contra-plano. O filme nunca soa uma bagunça, corrido ou difícil de compreender o que está havendo na tela. A coreografia de cenas e dança é excelente, sabendo quando entregar o momento pra brilhar ou apresentar uma música famosa do artista, que quando posta, casa perfeitamente com o que a história tá contando.

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    Better Man | Diamond Films

    Essa cinebiografia traz uma alegria por esclarecer o nível que se pode alcançar para falar sobre a vida de alguém, entregando não apenas um filme divertido e dinâmico, mas um roteiro que sabe estudar e trabalhar muito bem o seu personagem. Porém, traz até uma tristeza ao pensar que outros artistas mais famosos, não mais importantes, tiveram adaptações medíocres. Pode até ter faltado dinheiro pra efeitos, locações e figurantes, mas pode ter certeza que um bom roteiro com uma direção artística faria muita diferença.

    Fama e perdão podem ser considerados os temas principais do longa-metragem, explorando perfeitamente nossa humanidade, o quão próximo estamos de errar e de se deixar levar por uma visão estabelecida por um parente. Só que além da dor e possível desejo de vingança, que o próprio público pode sentir, a beleza da vida se apresenta em encontrar um jeito de conviver com os erros e dar uma segunda chance para quem lhe fez mal.

    Better Man: A história de Robbie Williams pode não apresentar muitas novidades em sua jornada, mas a forma como a desenvolve, conta sobre ela, dando o tom certo de encaixar as músicas, podendo surpreender quem conhecia apenas o som e não quem cantava, como também emocionando sem abusar do melodrama, faz desta uma obra que desperta a vontade de aplaudir ao final da sessão.

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  • CRÍTICA I Um Completo Desconhecido traz a jornada de Bob Dylan, do Folk ao Rock

    CRÍTICA I Um Completo Desconhecido traz a jornada de Bob Dylan, do Folk ao Rock

    James Mangold convida o espectador a uma imersão completa na transformação do astro da música, nos anos 60.

    As cinebiografias de cantores têm sido um gênero recorrente no cinema, retratando a trajetória de grandes nomes da música. Produções sobre ícones, como Elvis Presley, Elton John e Freddie Mercury, mostram como Hollywood se dedica a contar histórias de artistas que marcaram épocas. Nesse contexto, “Um Completo Desconhecido” se destaca por sua abordagem singular de Bob Dylan, explorando uma fase específica de sua carreira e mergulhando na complexidade do artista.

    Dirigido e escrito por James Mangold (“Logan”), o longa é adaptado do livro “Dylan Goes Electric!” (2015), de Elijah Wald (“Jelly Roll Blues”). A obra não é apenas mais uma biografia convencional, mas sim um estudo profundo sobre o músico, concentrando-se em um recorte preciso de sua jornada entre 1961 e 1965.

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    Um Completo Desconhecido I Searchlight Pictures

    Nesse período, Dylan chegou a Nova York para encontrar seu ídolo, o cantor Pete Seeger (interpretado por Edward Norton), e atravessou uma fase de grandes transformações no cenário do Folk. A produção, que enfrentou atrasos por conta da pandemia, só chegou aos cinemas graças ao empenho de Mangold, que priorizou o projeto e o levou à Searchlight Pictures.

    Ao contrário de muitas cinebiografias que seguem uma linha cronológica simples ou uma narrativa de “origem”, Mangold opta por focar em um momento crucial da vida de Dylan, evitando o formato “filme legado”, muito comum nas produções atuais. O diretor traz um momento de incertezas, antes da explosão artística de Dylan, explorando o processo de transformação do intérprete e sua busca por um espaço no mundo da música.

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    Um Completo Desconhecido I Searchlight Pictures


    O papel de Dylan, aqui, é vivido com maestria por Timothée Chalamet (“Me Chame pelo Seu Nome”), que, em uma das melhores performances de sua carreira, captura tanto os maneirismos quanto os dilemas emocionais do cantor. Chalamet transmite a angústia de Dylan, suas dúvidas sobre o amor, a carreira e a fama. O longa o apresenta como um “completo desconhecido”, antes de sua ascensão, evidenciando sua luta interna e os desafios que enfrentou até alcançar a consagração.

    Mangold também reconstrói com precisão a Nova York dos anos 60 e o efervescente cenário do Folk. Um dos elementos centrais da trama é o uso da guitarra elétrica por Dylan, que gerou grande polêmica na época. Esse ato se torna um símbolo de inovação e resistência, refletindo a transição do Folk para o Rock e a discussão sobre autenticidade na música. Além disso, o filme propõe uma reflexão sobre a relação entre fã e artista, abordando a dificuldade de Dylan em lidar com a fama e sua sensação de ser reduzido à figura de apenas “servidor do público”.

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    Um Completo Desconhecido I Searchlight Pictures


    Apesar de ser um projeto bem executado e uma homenagem bem-vinda a um dos maiores ícones da música, o longa, infelizmente, peca por um distanciamento emocional. Faltou um maior aprofundamento nas reflexões pessoais de Dylan, especialmente no que diz respeito aos seus sentimentos internos e ao impacto de sua obra. Contudo, isso não impede o filme de se destacar, pela sua excelente recriação da época e pela atuação brilhante de Chalamet.

    Em suma, “Um Completo Desconhecido” não busca ser uma obra espetacular, mas cumpre sua proposta com precisão. É uma homenagem fiel a Bob Dylan, com uma narrativa focada e uma produção técnica impecável, que toca diretamente os fãs da música Folk e do cantor.

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  • CRÍTICA| O Homem-Cão usa o ridículo para cativar o público infantil

    CRÍTICA| O Homem-Cão usa o ridículo para cativar o público infantil

    Dirigido por Peter Hastings, O Homem-Cão prova quão mutável a Dream Works consegue ser

    Em 2001, Shrek (2001, Andrew Adamson, Vicky Jenson) se tornou a primeira animação a ganhar o Oscar de “Melhor Filme de Animação”. Produzido por um estúdio criado em 1994 por Steven Spielberg, David Geffen e Jeffrey Katzenberg, o filme abriu portas para muitos outros que viriam, tanto em quesito técnico por conta de sua animação em 3D que diferenciava a estética “perfeita” de filmes da Disney, quanto em questão de sátira e um humor auto-referencial que até os dias de hoje, a Disney ainda não usa eficientemente.

    Ao longo de sua história, a DreamWorks lançou sucessos como Madagascar (2005, Eric Darnell, Tom McGrath), Kung Fu Panda (2008, Mark Osborne, John Stevenson), e o recente O Robô Selvagem (2024, Chris Sanders), porém, diferente da Disney, a DreamWorks é conhecida por ousar mais em seus filmes, não se baseando em somente uma fórmula na busca pelo entretenimento, e aproveitando o formato do filme para atuar como uma sátira do gênero, trazendo, por consequência, histórias mais interessantes e personagens moralmente mais complexos do que filmes produzidos pelo estúdio do rato.

    Por bem ou por mal, a DreamWorks sempre correu mais riscos, com resultados variáveis, em filmes que vão de bizarros como Bee Movie (2007, Steve Hickner, Simon J. Smith), clássicos para todas as idades como Como Treinar o Seu Dragão (2011, Chris Sander, Dean Deblois) e filmes direcionados para um público infantil como O Homem-Cão (2025, Peter Hastings).

    Peter Hastings não é estranho para a comédia visual usada em O Homem-Cão, responsável pelo criação de nada mais, nada menos, que a série clássica dos Animaniacs (1993-1997, Tom Ruegger), Hastings usa seu histórico com maestria, produzindo mais comentários metalínguisticos e visuais do que se consegue pegar em somente uma assistida, grande parte funcionando de modo eficaz.

    Por conta disso, a comédia é um dos principais focos de O Homem-Cão, juntamente com uma animação descendente de filmes como Homem-Aranha no Aranhaverso (2018, Bob Persichetti, Peter Ramsey e Rodney Rothman) e filmes do próprio estúdio como Gato de Botas 2: O Último Pedido (Joel Crawford), em que a animação é muito mais fluida e se encaixa para o projeto desejado, diferente de um 3D padrão e chapado tão comum em filmes da Disney.

    O Homem-Cão

    Cena de O Homem-Cão- Divulgação Universal Pictures

    Enquanto Gato de Botas 2: O Último Pedido usou esta estética para remeter aos livros de contos de fadas, O Homem-Cão a usou para remeter à estética marcante dos quadrinhos de Dav-Pilkey, inclusive em sua composição visual e cinematográfica, além do uso constante de marcas clássicas de quadrinhos como onomatopeias de diferentes estilos e uma história tão ridícula que não se consegue levar à sério.

    Baseado na série em quadrinhos de Dav-Pilkey, O Homem-Cão conta a história de um policial e seu ajudante canino que são costurados em um só corpo após um acidente. Experiente em lutas marciais e combate ao crime, sua missão se baseia em capturar seu arqui-inimigo: o gato Petey, ao mesmo tempo, que lida com a solidão de uma nova vida como um híbrido canino.

    Petey e Homem-Cão são espelhos um do outro, ambos criaturas solitárias, porém, tomaram caminhos contrários, um para a vilania e outro para o bem. Na verdade, vilania é um termo errôneo para definir Petey, ele está somente quebrado. A mensagem trazida por Hastings é semelhante, porém, menos explorada do que aquela trazida em Lego Batman: O Filme (2017, Chris McKay).

    A diferença entre o filme de McKay e o filme de Hastings é o contato anterior que o público apresentava com seus personagens, a jornada de Batman e Coringa é semelhante à jornada de Homem-Cão e Petey, porém, a primeira dupla é extremamente conhecida e amada, a segunda pode ser amada por um público diminuto, mas, é bem menos conhecida, assim, dificultando a construção do drama na medida que esta relação herói e vilão deve ser explicada desde o começo.

    O core dramático está presente durante toda a duração de O Homem-Cão, porém, não é devidamente explorada em nenhum momento, mesmo para um filme infantil, acredito que valeria a pena ter explorado melhor a diferença entre Petey ser realmente um vilão ou estar somente com a bússola moral quebrada, algo que é colocado em xeque quando aparece seu pai e visto principalmente em sua relação com Pequeno Petey.

    O paralelo entre dois solitários que tomam caminhos distintos na vida, um que na vilania e outro que acaba um herói, caso tivesse sido melhor explorado, poderia levar o filme à novos patamares na medida que ensina às crianças uma lição que somente é tangenciada: “o mundo é cruel, mas, você não precisa ser também”. Apesar de utópica, é uma de tantas mensagens fundamentais que Pilkey transmite com seus marcantes personagens.

    Com menos de uma hora e 30 de duração, ao final do dia podemos falar sem medo que o forte de O Homem-Cão não é a sua narrativa, afinal, a produção se encerra com kaijus gigantes destruindo a cidade, algo extremamente cansativo e clichê para filmes do século XXI. Seu forte é o entretenimento lunático. A quantidade enorme de piadas, desde gags visuais e de ação, referências à outros filmes e piadas um pouco mais adultas, marca de filmes da DreamWorks, e momentos dramáticos pontuais, como a cena em que Petey olha as estrelas com Pequeno Petey, permite um divertimento para todas as idades.

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  • CRÍTICA| Emília Perez é uma confusão superficial

    CRÍTICA| Emília Perez é uma confusão superficial

    Dirigido por Jacques Audiard e com 13 indicações ao Oscar, Emilia Perez é um filme confuso, chato e polêmico que lida de modo simplista com questões importantes.

    Esta semana no trabalho estávamos conversando sobre superficialidade e chegamos em Emily Em Paris (Darren Star, 2020), uma série da NETFLIX, criada por norte americanos, que passa uma visão estereotipada da França, porém, que cativa o público por conta de sua construção água com açúcar, romântica, e a presença cativante de Lily Collins. Nativos franceses já se pronunciaram contra a série, entre os principais motivos estão a visão clichê e a falta de representação real da cidade de Paris.

    Coincidentemente, ou não, o francês Jacques Audiard lançou o sonoramente parecido: Emília Perez. Um filme também recheado de esteriótipos, clichês, mensagens pouco exploradas, músicas insuportáveis, e que do mesmo modo que Emily Em Paris não é um bom parâmetro para conhecer a França, Emília Perez se torna o pior parâmetro para conhecer o México.

    Pronunciamentos do diretor Jacques Audiard como não ter pesquisado previamente sobre o México, e a fala: “espanhol é idioma de pobres e imigrantes”; até pronunciamentos vocais e contraditórios de Selena Gomez e principalmente Karla Sofía Gascón, auxiliaram no surgimento de um gosto amargo ao se discutir a produção.

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    Karla Sofia Gascón e Zoe Saldana em cena de Emilia Perez- Divulgação NETFLIX

    Após comentários polêmicos de Gascón, como que a equipe das redes sociais de Fernanda Torres a estava difamando, diversos tweets antigos foram descobertos e que demonstravam um comportamento ofensivo, da atriz, para com mulheres muçulmanas, o Islã e até mesmo o caso de George Floyd. Karla Sofia Gascón perdeu muita força e credibilidade, antes com crédito por ser a primeira mulher trans à ter chances de levar o Oscar de Melhor Atriz, agora provavelmente não ganhará nada.

    A equipe do filme abandonou a sua protagonista, a NETFLIX cortou laços com a atriz e atualmente baseia o marketing de Emilia Perez em Zoe Saldana; Jaques Audiard se pronunciou que é indesculpável o que Karla Sofia fez, porém, ao receber um prêmio no Critics Choice Awards, a agradeceu.

    Apesar de todas as confusões e polêmicas que o filme apresenta, esta hipocrisia e o abandono de sua protagonista por parte da produtora e da equipe, incluindo Zoe Saldana e o diretor Jaques Audiard, é inadmissível, ainda mais estando tão perto da premiação do Oscar. Por mais complicados que tenham sido seus pronunciamentos passados e presentes, não é correto o que a indústria está fazendo com Karla Sofia Gascón.

    Ao analisar a produção isoladamente, deixando de lado as polêmicas, o fato dele ser o candidato que possa impedir o Brasil de ganhar o Oscar de Melhor Filme Internacional, ou qualquer outro fator externo, somente analisando a arte por si: chegamos à conclusão que o filme continua sendo muito ruim.

    A primeira cena de Emilia Perez envolve mariachis neon, um susto que já dá o parâmetro para o musical que se segue, ou melhor, para esta opereta. Canções são intercaladas com diálogos falados/cantados. A cena em que Zoe Saldana conversa com o médico é a prova disso. Ambos estão conversando e sem preparação prévia nenhuma, o médico inicia o processo de falar cantado, algo que atordoa o público, principalmente pela letra que é recheada de preconceitos de gênero, algo constante durante toda a duração de Emilia Perez.

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    Zoe Saldana e Karla Sofía Gascon em cena de Emilia Perez- Divulgação NETFLIX

    A história de Emilia Perez tem como gatilho narrativo a jornada de Rita Mora, Zoe Saldana, uma advogada que recebe a missão de auxiliar um líder de cartel em seu desejo de se tornar mulher. Com a presença de músicas que aparentam sair de um delírio coletivo, como La Vaginoplastia, o filme tenta abordar tópicos importantes com o intuito de ganhar a atenção e o carinho dos críticos, ignorando a opinião do grande público que grita quão terrível Emilia Perez realmente é.

    Emilia Perez é um filme que apresenta uma fotografia escura e plástica, atuações que variam das boas, como Zoe Saldana, até as terríveis, como Selena Gomez, uma atriz que foi colocada no filme com o simples intuito de atrair público. Um musical com nenhuma música realmente atraente que é plano de fundo para um filme que aparenta ser progressista, porém, por meio de sua narrativa acaba perpetuando diversos preconceitos de gênero e sexualidade.

    Além de tudo isto, a produção apresenta um roteiro frágil, muitas vezes vazio, tirando a força de lutas e questões importantes como o movimento trans, ao mesmo tempo que carimba todos os itens essenciais para que receba diversos prêmios, como está acontecendo atualmente.

    Emilia Perez é um filme feito para enganar críticos e ser aclamado, mesmo que superficialmente, algumas de suas questões narrativas e técnicas provam isso:

    • Em um mundo cada vez mais conservador e de direita, temos uma protagonista trans sendo exaltada como santa ao seu final, independente do modo confuso e contraditório como isto é retratado na produção, a questão é a mensagem transmitida.
    • A questão da produção ser um musical, um gênero cinematográfico que Hollywood costuma gostar, principalmente quando ele discute a sociedade.
    • O retrato do México, na cabeça de críticos “especializados” e sob o domínio de um cabresto, retrata um país que é um dos mais afetados após a reeleição de Donald Trump, assim, auxiliando Hollywood em uma luta contra esta “direita opressora”.

    Emilia Perez é um filme que envelhecerá muito mal, principalmente pelo fato de seu falatório atual se basear no Oscar, em sua competição com Ainda Estou Aqui (2024, Walter Salles), e nos comentários de sua atriz. Uma produção que tenta discutir tanta coisa e ao seu final se torna tão superficial que não diz nada. Em 5, 10 anos, provavelmente ninguém nem mesmo lembrará da produção, ganhando Oscar ou não.

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  • CRÍTICA | Conclave apresenta segredos do poder da Igreja, sob o teto da Capela Sistina

    CRÍTICA | Conclave apresenta segredos do poder da Igreja, sob o teto da Capela Sistina

    Edward Berger entrega um thriller visualmente deslumbrante que examina a fé, a moralidade e o poder na Igreja Católica.

    Após o sucesso de “Dois Papas” (2019), o cinema volta a explorar o universo papal, agora de maneira mais sombria e crítica, com “Conclave”. Dirigido por Edward Berger (“Nada de Novo no Front”) e baseado no livro homônimo de Robert Harris (“O Oficial e o Espião”), o filme mergulha no processo de escolha de um novo Papa após a morte de seu predecessor. O resultado é um suspense claustrofóbico, que discute fé, ética e poder, ambientado inteiramente dentro do Vaticano.

    A trama se desenrola na Capela Sistina, onde o Conclave serve de pano de fundo para explorar intrigas e disputas dentro da Igreja Católica. Ralph Fiennes (“O Jardineiro Fiel”) brilha como o Cardeal Lawrence, encarregado de organizar o Conclave e lidar com os segredos que surgem durante o processo. Sua performance é o eixo moral do longa, enfrentando dilemas internos e externos enquanto busca o “homem ideal” para o mais alto cargo da Igreja.

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    Conclave I Focus Features


    Os coadjuvantes também se destacam, especialmente Stanley Tucci (“A Grande Noite”), cuja presença magnética acrescenta profundidade ao enredo. Mas não só ele, cada ator contribui para a crescente tensão, refletindo a hipocrisia, os dilemas morais e as disputas de poder no clero.

    A direção, de Edward Berger, é precisa, com uma atenção meticulosa aos detalhes que tornam a experiência imersiva. A recriação da Capela Sistina, sob o design de produção de Suzie Davies (“Saltburn”), é impressionante, transportando o público para o coração do Vaticano.

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    Conclave I Focus Features


    O roteiro, de Peter Straughan (“O Espião Que Sabia Demais”) e Robert Harris (“Munique”), respeita a obra original, tratando o Conclave como um microcosmo da Igreja, onde fé e razão colidem em um ambiente fechado. Assim como na direção, evita-se qualquer interação externa, enfatizando o isolamento e a gravidade das decisões tomadas dentro da Capela Sistina.

    Embora o ritmo do filme seja lento em alguns momentos, o clímax compensa, com reviravoltas que certamente gerarão reações intensas, principalmente entre o público mais conservador. O texto não poupa críticas ao conservadorismo, expondo contradições e questionando os ideais defendidos pela Igreja.

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    Conclave I Focus Features


    Na técnica, a fotografia, de Stéphane Fontaine (“Capitão Fantástico”), reforça a atmosfera de suspense, evocando a tensão de um thriller de espionagem. Junto dela, a trilha sonora, de Volker Bertelmann (“Marinheiro de Guerra”), intensifica cada momento, tornando a experiência ainda mais impactante.

    No final, “Conclave” é um suspense cativante, com atuações impecáveis, uma ambientação minuciosa e um roteiro que provoca reflexões profundas. Edward Berger mais uma vez demonstra sua habilidade em criar narrativas viscerais, onde cada detalhe importa.

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  • CRÍTICA | O Maravilhoso Mágico de Oz reimagina o clássico nos tempos modernos

    CRÍTICA | O Maravilhoso Mágico de Oz reimagina o clássico nos tempos modernos

    O Maravilhoso Mágico de Oz acerta no “maravilhoso”, mas falha na parte mágica.

    Em uma viagem feita pra se distrair das redes sociais, a família de Elli se divide quando um tornado surge e leva tanto a filha quanto o cachorro para um mundo mágico onde o mal está prevalecendo, mas ainda há esperança para que Oz resolva todo o problema.

    Tirando a ausência da Bruxa do Oeste, a Glinda e o nome “Dorothy”, esse filme russo, dirigido pelo Igor Voloshin, acaba se aproximando bastante do clássico de 1939, dirigido por Victor Fleming, onde a protagonista busca uma forma de voltar pra casa e acaba esbarrando com um espantalho, um homem de lata e um leão, do qual fará uma bela amizade e amadurecerá graças aos conflitos que vai enfrentar nessa jornada em busca do tal mágico que pode ajudá-la.

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    O Maravilhoso Mágico de Oz | Studio TriTe

    Partindo dessa natureza de trabalhar o amadurecimento da criança ao se distanciar dos pais, fica claro a mensagem em prol de valorizar o tempo longe de produtos supérfluos que as crianças já crescem tendo e enxergam qualquer outra coisa como “chato”. Então, trazer o universo de Oz pra isso, com mensagens de amizade, enfrentar o medo e a importânia da natureza se mostra uma ótima ideia. Pena que não é explorada.

    O que me leva a abordar O Maravilhoso Mágico de Oz como um todo nesse quesito. Tirando o laço que vai se criando no grupo principal do filme, nada é verdadeiramente aprofundado, de modo que conecte o espectador para com a trama, que traga uma verdadeira empatia para com a protagonista e sua história, porque não só a personagem traz pouco carisma, mas os diálogos acabam por soar extremamente expositivos.

    Além do tal amadurecimento nunca vir de fato, de um jeito que fique claro e visível. Por vezes, a personagem apenas muda de opinião, cita algo, nota aquilo, e acaba por aí. Não ganha profundidade. Diferente dos seus amigos que passam por uma jornada mais clara, mais notável tal evolução, onde o leão covarde e o espantalho sem cérebro conseguem subverter as expectativas e não faz jus à característica que receberam.

    Na parte técnica, o longa-metragem consegue chamar bastante atenção pela sua trilha épica e poderosa, que remete a franquias de alto escalão como Senhor dos Anéis. Não que seja tão marcante ou bem inserida, mas é bem feita e passa uma sensação diferente para o filme, trazendo um ar mais sério pra jornada. Tal qual, os efeitos visuais estão ótimos, com os cenários passando verossimilhança e nas vezes que poderia ficar algo muito falso, utilizando cenários pintados para por ao fundo dos protagonistas, o que ajuda a não sair da imersão e quase passando uma sensação teatral que, na minha opinião, mais agregou ao projeto.

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    O Maravilhoso Mágico de Oz | Studio TriTe

    Dito isso, a sensação que a produção passa é muito mais de episódio de TV do que verdadeiramente um filme, não só pela direção simplória, como pelas atuações plásticas, esverdeadas, onde os interpretes do Espantalho e Homem de Lata chegam mais próximos de demonstrar algo real, com esforço, em que fique visível um trabalho por parte de conseguir sentir aqueles personagens na pele. Mas o final, consegue nem fazer jus aos cliffhangers (recurso de roteiro que deixa o final em aberto pra segurar o público pro próximo) dos seriados mais fracos, soando corrido e picotado.

    Vale destacar, como já citado no começo dessa análise, que o filme se distancia do universo clássico de Oz, trocando as bruxas e feiticeiras, apresentando novas personagens que infelizmente não passam força, construção ou sentimento, faltando seriedade para com elas, o que felizmente dura pouco e até por isso o tempo de tela possa ser curto. Ao notar que não havia muito o que ser feito, ou quem sabe, queria deixar para desenvolver na Parte 2, o que acaba mais dando a vontade de não ver mais sobre do que realmente se aprofundar de algum modo, a obra prioriza o quarteto que o espectador deve torcer.

    O Maravilhoso Mágico de Oz está longe de ser uma catástrofe, sendo um filme que o público infantil deve se conectar e se divertir bastante, já que mesmo com problemas, a obra em nenhum momento para ou se deixa respirar por muito tempo, deixando de lado aqueles momentos introspectivos e apostando mais na aventura, na formação desse clássico time que mostra como ainda tem energia pra funcionar nos dias de hoje se bem feito. Mesmo que o filme esteja longe de alcançar o clássico, ele de forma alguma desrespeita o que deu tão certo.

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  • CRÍTICA| Acompanhante perfeita é uma boa iteração de diversos bons filmes

    CRÍTICA| Acompanhante perfeita é uma boa iteração de diversos bons filmes

    Dirigido por Drew Hancock, Acompanhante Perfeita junta relacionamentos abusivos e IA em um belo entretenimento

    Obs: A seguinte crítica contém spoilers de Acompanhante Perfeita.

    A palavra robô é derivada da palavra checa “robota”, que significa, em poucas palavras, “trabalho escravo”. Eles são pessoas obrigadas a servir aos seus mestres, do mesmo modo que os escravos antigamente na Grécia Antiga, ou no período de colonização da América.

    Em pleno 2025, esta noção de tecnologia foi muito ampliada, principalmente por conta de uma IA que já dominou nossas vidas, e que atua de modo tão fácil que não sabemos mais quem é o escravo e quem é o mestre. O cinema já explorou os males desta tecnologia em diversos filmes como 2001: Uma Odisseia No Espaço (1968, Stanley Kubrick), Ex-Machina (2015, Alex Garland), Blade Runner 2049 (2017, Dennis Villeneuve), Meg3n (2022, Gerard Johnstone), e a série Westworld (2016-2022, Jonathan Nolan e Lisa Joy), produções que mostraram inclusive a tomada de consciência dos andróides e sua “vingança” contra humanos.

    A soma do conteúdo narrativo de todas estas produções origina Acompanhante Perfeita, colocando em prática uma interessante discussão que encontramos no filme Herege (2024, Scott Beck e Brian Woods), coincidentemente, também com Sophie Tatcher.

    Acompanhante Perfeita não é um filme original, ele é o bisneto de tudo que veio antes, que foi comido, mastigado, engolido e regurgitado de uma forma quase antropofágica. A produção aprende com os erros de seus antecessores, pega seus pontos fortes e tenta se destacar por si mesmo, apresentando características únicas e muitas, mas, muitas semelhanças com cenas e momentos que já vimos mais de uma vez no cinema.

    Acompanhante Perfeita é a história do namoro de Josh, Jack Quaid, e Íris, Sophie Tatcher. Nossa compreensão muda quando descobrimos que Íris é uma andróide acompanhante e que todas as suas memórias foram fabricadas com o intuito de criar um vínculo com o seu dono/namorado. Esta história parece familiar, não é?

    Acompanhante Perfeita

    Sophie Tatcher e Jack Quaid em cena de Acompanhante Perfeita- Divulgação Warner Bros Pictures

    Enquanto a primeira camada de iterações gira em torno de filmes sobre inteligência artificial tomando consciência, a partir deste momento Acompanhante Perfeita inicia uma segunda camada de iterações que discute relacionamento abusivo de maneira semelhante à Ruby Sparks (2012, Valerie Faries e Jonathan Dayton), em questão do controle que o namorado tem sobre sua “criação”, e filmes como Casamento Sangrento (2019, Tyler Gillet e Matt Bettinelli-Olpan) , em que uma jovem mulher é perseguida por todos os outros personagens que tentam matá-la, e deve se defender sozinha.

    Acompanhante perfeita é um bom filme na medida que mistura comédia, ficção científica e thriller, porém, não consigo parar de pensar que todas as discussões e reviravoltas de seu roteiro, já foram exploradas anteriormente. O que realmente faz Acompanhante Perfeita se destacar dentro deste amplo mar, é a sua estética e o seu timing.

    O filme estreará nos EUA no dia 30 de Janeiro de 2025, duas semanas antes de um dos maiores feriados do país no dia 14 de Fevereiro: Valentine’s Day. Somando isso, a uma produção que apresentou um marketing extremamente carinhoso e fofo, com cartazes rosas espalhados que prometem um belo romance, a Warner Bros Pictures, pretende usar o pastiche de Acompanhante Perfeita para atrair a atenção de diversos casais que buscarão um entretenimento para seus encontros.

    Remetendo a uma estética nostálgica dos anos 1950, principalmente em sua cena inicial, a produção abraça um pastiche e um sentimento lúdico e idealizado, tudo está muito bem, apesar do caos que está ocorrendo, as atuações segura muito neste quesito, nada parece muito absurdo para aquele universo, e quando parece, é cômico. Íris corre pelas matas descalça e com a roupa toda ensanguentada, tenta fugir quebrando o vidro da polícia, e mesmo assim, Sophie Tatcher a constrói de tal maneira que ela continua tão perfeita quanto, não importa o quanto ela esteja sofrendo, ela sempre tem um plano.

    Acompanhante Perfeita

    Sophie Tatcher em Acompanhante Perfeita- Divulgação Warner Bros Pictures

    A cena de maior destaque neste filme é a discussão final entre Josh e Íris. Jack Quaid consegue carregar em um longo monólogo, toda a representação do nice guy, alguém que se enxerga intitulado a ter tudo o que sempre quis, justamente por ser uma pessoa boa, ou melhor, se achar uma pessoa boa. Esta cena é a piece de resistance de Acompanhante Perfeita, por conta dela falar com a sombra que existe em cada um de nós, principalmente nos homens. Um sentimento que muitos sentem e que caso deixe esta dor sair, pode ter consequências catastróficas para si e para todos ao seu redor.

    Não escondendo que é um filme independente, e muito menos original, Acompanhante Perfeita é um arroz com feijão bem feito e um entretenimento depretensioso. Com grande destaque para Sophie Tatcher e o seu lindo sorriso, um roteiro redondo que prende e surpreende o espectador ao mixar a narrativa clássica com reflexões que apesar de sutis, podem gerar discussões futuras, uma comédia auxiliada pela técnica do pastiche e trocas rápidas de interações, e por fim uma fotografia e uma arte cuidadosa e de destaque, permitindo um entretenimento e um agrado visual para o espectador.

    Um destaque também para o pessoal de marketing que conseguiu instigar a curiosidade do espectador de maneiras bem mais interessantes do que estragar de primeira a maior surpresa do filme: a natureza andróide de Íris. Vendendo a produção como um romance de terror e deixando as maiores surpresas para quando as pessoas forem assistir o filme.

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  • CRÍTICA | Lobisomem tem boas ideias, mas não conquista como poderia

    CRÍTICA | Lobisomem tem boas ideias, mas não conquista como poderia

    Lobisomem é aquele filme que não vai te deixar zangado pela perda de tempo, mas vai te fazer refletir sobre o que faltou.

    Lobisomem tem uma premissa simples. Uma criança que cresceu com um pai caçador, entende que existem muitos perigos na floresta, então ao crescer, o abandona e segue pra cidade grande com o objetivo de se distanciar. Entretanto, ao descobrir que depois de anos desaparecido, seu pai foi declarado morto, o filho decide retornar para fazer uma viagem com a família e resgatar seus pertences. Acontece que a floresta não deixou de ser perigosa.

    Dito isso, a trama segue por um caminho além do esperado, trazendo revelações e uma narrativa mais contida do que aparentava, dando novas perspectivas sobre como é ser um lobisomem, o que acontece durante essa alteração de DNA e o quanto ainda dá pra se manter humano. A parte mitológica mostra que tem algo a explorar, mas aí é preciso decidir se quer ser um terror ou não.

    Lobisomem é aquele filme que não vai te deixar zangado pela perda de tempo, mas vai te reflexivo sobre o que faltou.

    Lobisomem | Blumhouse

    Veja bem, o roteiro da obra segue todos os tópicos para dar um bom filme, que cria empatia para com a família protagonista e traz uma ideia interessante pra abordar o homem que vira lobo na lua cheia. Vale dizer, a lua nem aparece na obra! Isso vai de encontro com a falta de noção sobre o que deseja mesmo abordar.

    Como parte do gênero terror, a atmosfera de prender uma família em um local natural é sábia, mas a falta de habilidade pra criar o suspense, a tensão, atrapalha da imersão vir independente do espectador. Os sustos que podem tomar virão por conta do quão do nada ocorrem as aparições “surpresas”. Só que outro fator determinante para atrapalhar tudo, inicia-se pela conveniência dos personagens conseguirem escapar de um ser feroz que deveria ser mais rápido e ágil. E quando não escapam, o mesmo personagem é atingido.

    Na parte técnica, é necessário falar sobre a câmera que tenta agir como se estivesse lá, mas que se mexe de modo tão truncado, tão manejada por um tripé, que acaba mais tirando a imersão que provavelmente gostaria de causar, naquele estilo Atividade Paranormal, do que entregando o desejado. Felizmente, essa abordagem aparece pouco, porque se for pra tentar ser artístico e não conseguir, nem tente.

    A falta de tentativa fica claro em todos os outros quesitos. A trilha sonora cumpre tabela e umas duas vezes soa mais dramática do que deveria. Os efeitos visuais estão muito bons, em nada quebram a imersão. As atuações estão convincentes, conseguem ganhar a empatia de quem assiste. E todo o resto segue um padrão que fica fácil definir a obra como mediana.

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    Lobisomem | Blumhouse

    Ainda assim, é bacana notar a mensagem central de paternidade, escolhas e ciclos viciosos que devem ser quebrados, no qual o pai demonstra estar seguindo os passos daquele que o criou, onde um conflito interno se deixa notável, enquanto a mãe está distante da filha, apresentando certa passividade com essa situação, da qual a trama levará a uma mudança drástica nesse quesito, mesmo que seja enfrentando o próprio marido.

    Lobisomem é um filme que não fere tanto quanto poderia, entrega algo sólido, mas nada além disso também. Encontra um assunto cada vez mais debatido para trabalhar sua trama e tanto um terror quanto uma ficção, uma aventura, poderiam se originar disso. Acaba que a obra se vê em cima do muro e com a ausência da mão certa para fazer dessa nova abordagem marcante.

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  • CRÍTICA| Comando das Criaturas é excelente aperitivo para o novo DCU

    CRÍTICA| Comando das Criaturas é excelente aperitivo para o novo DCU

    Como ponto de partida, Comando das Criaturas é humanidade e suco de James Gunn, na mesma medida

    Segundo o dicionário Oxford, um monstro é: “qualquer ser ou coisa contrária à natureza; anomalia, deformidade ou monstruosidade.” Atormentando nossos pensamentos desde os primórdios da humanidade, estas criaturas fascinam a humanidade e auxiliam em diversas reflexões dentro de diferentes campos artísticos e até mesmo filosóficos.

    A literatura e a cultura pop usa monstros e criaturas em excesso por conta de seu enorme potencial narrativo, os trabalhando em duas frentes principais: a primeiro é a criatura que não apresenta redenção e é a epítome de todo o mal da humanidade, Pennywise de Stephen King é um exemplo.

    A segunda frente inclui as criaturas que não são monstros por si, elas desejam amor e afeto como todos nós, e são negadas por conta de preconceitos e medos internos do ser humano. Em resumo, eles apresentam desejos, ambições e vontades humanas, porém, por serem rejeitados e negados pela sociedade, acabam regredindo a nada mais do que somente criaturas de nossos pesadelos, não por escolha, mas como forma de sobrevivência.

    Grandes personagens como Quasímodo de O Corcunda de Notre Dame de Victor Hugo e O Fantasma Da Ópera de Gaston Leroux se encaixam nesta frente, juntamente com todo o elenco principal da série Comando Das Criaturas.

    Anunciada por James Gunn como o ponto de partida de sua primeira fase no universo DC, intitulada “Deuses e Monstros”, Comando Das Criaturas apresenta toda a força de suas produções anteriores como Super (2010), O Esquadrão Suicida (2021) e obviamente a trilogia Guardiões Da Galáxia (2014-2023). Sendo nítido o amor que o roteirista apresenta por cada um de seus personagens, não importando quão desprezível ele seja.

    Comando das Criaturas se inicia após os eventos de Pacificador (2022) e mostra Amanda Waller reunindo um novo time de meta-humanos, porém, desta vez, não por humanos, mas, por criaturas desformes, cada uma com sua personalidade física nítida e com uma história trágica por trás.

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    Cena de Comando das Criaturas- Divulgação DC Studios

    A Noiva foi criada por Victor Frankenstein, como uma parceira para alguém que repudia; Dr. Fósforo foi transformado em uma espécie de “Motoqueiro Fantasma”, verde e radioativo, piada feita dentro da própria série inclusive, por um grupo de mafiosos; G.I.Robot é um robô com uma diretriz de matar nazistas e que se encontra sozinho no mundo; Nina Mazursky é a humana transformada em peixe pelo seu carinhoso pai, somente para evitar que ela sofra mais, entre outros.

    Ao longo de 7 curtos episódios, acompanhamos este grupo de proscritos, inicialmente sob o comando de Rick Flag Sr., um personagem que tristemente não alcança seu potencial, em sua missão de proteger a princesa de um longínquo país eslavo, para em seguida serem encarregados de mata-la.

    O que se inicia como uma versão atualizada de O Esquadrão Suicida (2021), inclusive com o retorno de personagens como Amanda Waller e a Doninha, é ampliado por meio do conceito antigo de que criaturas monstruosas são somente pessoas incompreendidas, trazendo a cada episódio um flashback trágico de um dos membros da equipe.

    Iniciando no segundo episódio com a trágica história de A Noiva, para encerrar no sétimo com a pièce de résistance de toda a produção ao ser contada a origem de Nina. Uma personagem deixada de escanteio por toda a série, porém, que é o coração e a alma de Comando Das Criaturas, sendo o resumo da principal mensagem que a produção deseja transmitir: nunca desista da sua humanidade, por mais que o mundo inteiro caia ao seu redor.

    Ao meu ver, a cena que melhor resume Comando das Criaturas, se encontra em uma pequena cena de diálogo presente no último episódio. Doninha está recebendo carinho dos guardas, enquanto Fósforo e A Noiva enxergam à distância. Fósforo reclama da atenção que o animal recebe e a A Noiva pergunta se ele também deseja receber carinho dos guardas. O homem radioativo sabiamente responde que sim, questionando se ela sabe como é passar 15 anos sem ninguém que a tocasse, e A Noiva recruta que sim, ela sabe.

    Acredito que apesar da animação bem executada, uma composição de cores de brilhar os olhos, uma dublagem grandiosa, principalmente de David Harbour como Eric Frankenstein, e uma trilha sonora que precisaria de outro texto de quase 1000 palavras para dissecar o quão ela é marcante dentro da série como um todo, o que realmente faz a série é o coração e a humanidade de seus personagens, dentro de um arroz com feijão extremamente bem feito, especialidade de James Gunn.

    Muito se discute sobre um desgaste de produções do gênero de super herói, muito por conta de um domínio da Marvel dentro deste campo, com produções que se preocupavam mais com o espetáculo do que uma boa história com coração, não a toa, conheço pessoas que não gostam da Marvel, mas, adoram Guardiões da Galáxia, e isto se resume justamente ao fator emoção presente por trás, que o MCU perdeu após quase 20 anos. O desgaste não é necessariamente de filmes de super heróis, porém, do excesso de produções mal executadas dentro do campo.

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    Comandos das Criaturas não reinventa a roda, na verdade é um começo bem morno para um universo que inclui os maiores nomes dos quadrinhos de todos os tempos como Superman, Batman e Mulher-Maravilha, porém, neste momento de descrença com o gênero, a produção é justamente o que James Gunn e todo o DCU precisam: uma forma lenta e segura de introduzir seu novo universo, de maneira bem executada e que atraia a atenção do público, seja por meio de um Superman crucificado em uma visão distópica, uma sombra do morcego encapuzado que levou os fãs à loucura, ou diversos personagens desconhecidos que são muito mais humanos do que qualquer personagem que a Marvel introduziu em muito tempo.

    Eu tive um professor na faculdade que dizia que se ao longo de um filme, conseguirmos nos importar com somente um personagem, esta produção já está acima da média. Acredito que Comando Das Criaturas passa no teste, nos fazendo importar, rir, chorar, dançar com as músicas, e nos guiando para um futuro promissor que o DCU tanto precisa.

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  • CRÍTICA| Nosferatu,  ou a beleza por meio do macabro

    CRÍTICA| Nosferatu, ou a beleza por meio do macabro

    Dirigido por Robert Eggers, Nosferatu usa e abusa da estética expressionista para construir uma nova visão do épico.

    O movimento expressionista alemão surgiu no começo do século XX como uma resposta cinematográfica à destruição do país, ocorrida durante a primeira guerra mundial. Com o país em crise, o cinema fez diversas produções que apresentavam como características principais: uma visão pessimista de mundo, o constraste entre luz e sombra, a atmosfera onírica do filme e uma arquitetura característica e vista como deformada, dentro de um cenário sempre de angústia e pesadelo. Entre as principais produções do movimento, está incluso Nosferatu (1922, F. W. Murnau.), um filme que ganhou recentemente a sua terceira versão pelas mãos de Robert Eggers.

    Nosferatu é considerado uma livre adaptação da história de Drácula, de Bram Stoker. Após Murnau não conseguir os direitos do livro, o filme foi gravado alterando todos os nomes e seguindo os mandamentos do expressionismo alemão, se tornando uma visão única da obra do escritor irlandês, e uma sinfonia de horror, como diz o seu subtítulo.

    Toda adaptação, seja de Drácula ou Nosferatu, conta a mesma história sob uma diferente ótica. A história se resume em um homem britânico, recém casado, que é mandado para um país distante com o intuito de fechar um acordo imobiliário com um conde misterioso, porém, ao chegar lá, descobre que o conde é um vampiro, assim, juntamente com outros homens, deve impedir que ele espalhe sua praga pelo novo mundo, ao mesmo tempo que deve salvar a sua esposa do monstro.

    A alegoria do homem estrangeiro está presente, juntamente com o erotismo que acompanha as versões, de uma maneira ou outra. O homem britânico é visto como casto, cito como exemplo Keanu Reeves em Drácula de Bram Stoker (1992, Francis Ford Coppola), como um homem que é o auge da pureza e da santidade, enquanto o vampiro é um poço de eroticidade, principalmente se levarmos em consideração a sua paixão pela carne e pelo sangue, a ponto de sugar de suas vítimas, até deixar sem nada.

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    Nicholas Hoult e Aaron Taylor Johnson em cena de Nosferatu- Divulgação Universal Pictures

    Eggers aposta em um Nosferatu mais sexy do que os realizados anteriormente, sem medo de voltar às raizes de um folclore permeado por contos de horror e erotismo. Quando Thomas Hutter, Nicholas Hoult, tem seu sangue sugado pelo vampiro, sua cara representa um orgasmo, a relação entre Ellen e Nosferatu beira um amor doentio e de êxtase erótico, como se o monstro conseguisse dar a ela, algo que o marido jamais poderia. Ao falarmos do vampiro, a caracterização do Nosferatu de Eggers, traz mais uma camada na discussão sobre masculinidade do estrangeiro em comparação ao europeu: um vasto bigode.

    Isto parece algo pequeno e até cômico, porém, dentro do mundo construído e somado a uma assustadora atuação de Bill Skarsgård, é algo que acrescenta muito dentro da história do personagem, construindo um Nosferatu extremamente viril ,em comparação ao puro Thomas Hutter, um homem sem nenhum pelo de barba no rosto.

    Este visual de Nosferatu, destoa muito da versão de 1922 e do subsequente remake de 1979, dirigido por Werner Herzog, assim, foi uma decisão corajosa da Universal ocultar o verdadeiro design de Nosferatu até o lançamento da produção, gerando uma surpresa até mesmo choque no público, que esperava o mesmo careca icônico de sempre.

    Esta não é a única liberdade dentro do filme de Eggers. A verdadeira protagonista de seu Nosferatu não é Thomas Hutter, e muito menos o próprio vampiro, porém, Ellen Hutter, de todas as versões, esta é a que ela realmente carrega o manto de protagonista, muito por conta de uma surpreendente atuação de Lily-Rose Deep.

    Nosferatu

    Lily Rose Deep em cena de Nosferatu-Divulgação Universal Pictures

    Sua relação com o personagem de Willem Dafoe, o único que consegue realmente enxergá-la, é um dos pontos altos da produção. Nosferatu se inicia e se encerra com ela, com um plano inclusive, que modéstia a parte, eu teria emoldurado na parede pois é a perfeita composição entre o que há de mais belo no mundo e ao mesmo tempo o que há de mais macabro.

    Do mesmo modo que Robert Eggers se inspirou no folclore para a construção de seu vampiro, o filme apresenta diversas referências e simbolismos que remetem ao movimento expressionista, à arte gótica presente na idade média e à arte barroca, principalmente em sua composição entre luz e sombra, algo utilizado pela fotografia, sempre maravilhosa de Eggers, como forma de construir tensão.

    Ao final da produção, Nosferatu entende o seu papel como uma adição à esta sinfonia de horror que já dura mais de cem anos, ele não tenta reinventar a roda, mas sim, passar a sua própria visão da mesma história, de uma maneira que somente ele conseguiria.

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  • CRÍTICA | What If traz um final infeliz ao demonstrar tudo que poderia ter sido em sua 3º Temporada

    CRÍTICA | What If traz um final infeliz ao demonstrar tudo que poderia ter sido em sua 3º Temporada

    What If buscava apresentar todas as possibilidades que o multiverso nos proporcionava, mas em sua conclusão apresenta um desgaste sem sentido.

    Não existe uma sinopse certa para definir as temporadas de What If, pois além de cada episódio trazer uma história diferente, o final de cada uma busca trazer um problema divergente e totalmente inesperado, pelo menos até se aproximar do final quando os capítulos finais começam indicar para onde vai.

    Dito isso, durante as 2 primeiras temporadas, ainda que eu não gostasse do que fosse feito e preferia algo mais próximo de StarWars Visions, houve uma concordância de trama em que cada episódio abordava um mundo paralelo, com acontecimentos diferentes, e o protagonista de cada capítulo era utilizado de alguma forma no final da temporada, seja fazendo uma referência ou aparecendo para ajudar no problema central em que o multiverso sofria risco de existência.

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    What If | Disney Plus

    Sendo assim, impressiona de modo negativo, que a terceira temporada não apenas opte por apresentar jornadas que não terão relevância nenhuma ao final, como nos últimos episódios traga um grupo de heroínas formado por duas personagens apresentadas/trabalhadas nas temporadas antecessoras e por duas que não conhecemos, não vimos crescer, não vimos um desenvolvimento e tem um vínculo com as outras duas que não entendemos como começou ou chegou naquilo. Por sua vez, nos distancia e deixa perdido.

    Como se não bastasse esse erro inexplicável, que deixa o todo vazio, o final do seriado traz uma apresentação rápida de diversas possibilidades de universo, com personagens e alterações mais intrigantes do que boa parte daquilo que foi visto durante toda a animação, basicamente chamando o espectador de palhaço e deixando claro o potencial que poderia ter sido alcançado, brincando com mudanças realmente atrativas, e não com uma realidade onde apenas o Guardião Vermelho conheceu o Soldado Invernal.

    What If buscava apresentar todas as possibilidades que o multiverso nos proporcionava, mas em sua conclusão apresenta um desgaste sem sentido.

    What If | Disney Plus

    Sobre os episódios, é a mesma coisa do que já foi visto, só que a última temporada de What If parece apenas mais fraca. Mesmo nos episódios mais interessantes, com brincadeiras tipo um grupo de Vingadores que forma um Megazord, simplesmente tudo soa sem graça, sem sal, sem um vigor que atraia os olhos. Contudo, existem as exceções nos episódios 4 e 5, onde um viaja na maluquice das possibilidades e o outro apresenta um mundo pós-apocalíptico com uma heroína inesperada que consegue ser bom a ponto de empolgar pra série solo que a personagem ganhará ainda em 2025.

    A estética da animação se mantém do que foi apresentado desde o começo, mas particularmente não me incomoda. No entanto, é interessante notar como parece que o visual fica mais atraente e bem trabalhado nos episódios que contam uma história melhor, deixando tudo mais interessante. A trilha sonora, no episódio 5 chama a atenção por apresentar um trabalho mais profundo e melancólico que dá o tom certo para imergir aquele que assiste.

    What If como um todo é uma série animada infantil. Isso fica claro não só pela raridade em trazer um capítulo com final catastrófico ou uma jornada mais pesada, como pela lição de moral que o Vigia entrega ao final de cada conclusão, sempre trazendo aquela sensação fofa que serve de aprendizado para as crianças. Acontece que isso não justifica a preguiça do roteiro em viajar pouco nas possibilidades infinitas do multiverso, como construir histórias que atraiam tanto o público adulto quanto infantil, coisa que as produções da Pixar sabem fazer muito bem.

    Longe de ser a pior produção da Marvel, mas fácil a que menos aproveitou todo o potencial que tinha. Sua 3º temporada consegue ser tanto a mais fraca quanto a que mais falha como produção, do que estabeleceu e explorou nas anteriores, mas que parece ter perdido o fôlego. E ainda que possa empolgar com seu final, quase como se pedisse para o espectador pedir por mais, a lição que deixa é do contrário, de que isso não pode acontecer, porque ela esclareceu o que poderia ter feito e sido, e mesmo assim não o fez, então que afunde com as consequências disto.

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  • CRÍTICA| Cem anos de Solidão é mágico do começo ao fim

    CRÍTICA| Cem anos de Solidão é mágico do começo ao fim

    Baseado no livro de Gabriel Garcia Marquez, Cem Anos de Solidão é uma das melhores e mais bem trabalhadas séries do serviço de streaming

    Gabriel Garcia Marquez escreveu Cem Anos de Solidão como o seu magnum opus, após trabalhar seus temas, personagens e o próprio vilarejo de Macondo em livros anteriores como Ninguém Escreve ao Coronel e Os Funerais de Mamãe Grande, Marquez lançou o livro em 1967, tornando-o uma referência até os dias de hoje.

    Ao retratar a ascensão e decadência da família Buendía, e sua extensão no povoado de Macondo, o livro contém de tudo: cenas bélissimas, guerra, amor, conflito, um erotismo saliente, personagens marcantes, discussões sobre religião, política e humanidade, sempre com muito humor e ironia para assim construir uma alegoria da América Latina.

    Cem Anos de Solidão é visto atualmente como um dos melhores livros daa literatura mundial, assim, não é de agora que diversos diretores tentam adapta-lo para o cinema como o italiano Francesco Rosi, o mexicano Anthony Quinn e até mesmo Francis Ford Coppola, porém, Garcia Marquez, além de autor, um professor de roteiro, construiu o livro de forma tão hermética que não seria possível adaptar tal obra em um filme de 2 horas, nem mesmo em um de 4, sem perder tudo o que o fez especial para inicio de conversa.

    Gabriel Garcia Marquez escreveu Cem Anos de Solidão inspirado nas histórias que sua mãe e avó contavam para ele em sua infância, nelas, sempre existiam acontecimentos fantásticos que eram vistos como naturais, assim, abrindo caminho para o estilo do realismo mágico que Cem Anos de Solidão representa tão bem: acontecimentos fantásticos são tratados como comuns e acontecimentos comuns são vistos como fantásticos.

    Gabriel Garcia Marquez, faleceu em 2014, o serviço de vídeo on demand ainda estava em seu início, a NETFLIX era um dos poucos streamings vigentes e mesmo assim, ainda estava no começo com produções autorais, tendo acabado de lançar Orange Is The New Black e House Of Cards, assim, Gabo não viu o monstro que estava nascendo, porém, apesar de não ter visto o seu magnum opus ser adaptado, o escritor viu adaptações de outras de suas obras.

    Cem Anos de Solidão

    Amor nos Tempos do Cólera teve uma adaptação em 2007 com grandes nomes como Javier Bardem, porém, foi um fracasso de público e crítica. No Brasil, Ruy Guerra adaptou em 1983 a história de Cândida Erendira, com um roteiro do próprio Marquez, e adaptou O Veneno da Madrugada em 2006, porém, estas e outras adaptações, jamais conseguiram capturar todas as nuances da literatura de Marquez.

    Com a permissão dos descendentes de Garcia Marquez, e seguindo algumas exigências específicas como a gravação ser realizada na Colômbia, ter um elenco colombiano, e a série ser completamente falada em espanhol, a NETFLIX assumiu as rédeas e decidiu adaptar Cem Anos de Solidão.

    Guiada por um narrador onisciente, Cem anos de Solidão é construída de modo fiel, seguindo beats e permitindo que os fãs do livro se maravilhem não somente com uma arte primorosa, principalmente em seus figurinos que representam tão perfeitamente a essência de cada personagem, cito como principal exemplo a dicotomia rosa de Amaranta com o azul de Rebeca; a construção física do cenário de Macondo que é completada com uma fotografia que se baseia em diversos planos sequências, cito dois como exemplo: o primeiro plano sequência em que conhecemos Macondo, e o plano sequência de Arcádio fugindo do exército enquanto o vilarejo é destruído.

    Cem Anos de Solidão é a série mais cara que a NETFLIX já realizou na América Latina. Para construir o realismo fantástico, foram usados diversas trucagens técnicas que permitiriam isso, ao mesmo tempo que conseguimos enxergar “aonde o dinheiro foi investido”, a série é extremamente pé no chão dentro de seu próprio universo fantástico, algo tão gritante no livro de Marquez, a cena final da morte de José Arcádio Buendia é uma obra de arte, porém, a série só se mostrou tão eficiente por meio de um elenco meticulosamente escalado.

    Eu poderia explorar cada um dos atores de Cem Anos de Solidão e explicar como foi uma escolha perfeita para o papel, porém, este texto ficaria tão longo quanto os pergaminhos de Melquíades, então basearei meu argumento em somente dois: Laura Sofía Grueso, Akima, como Rebeca Buendía e Claudio Cataño como o Coronel Aureliano Buendía.

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    Laura Sofía Grueso ‘Akima’ em cena de Cem Anos de Solidão– Divulgação Netflix

    Rebeca Buendía é uma das personagens mais queridas do livro e é interpretada com muita graça pela modelo Akima, em seu primeiro papel dentro do campo audiovisual. Ao enxergarmos a atriz no meio do canteiro, comendo terra para esconder sua dor, seu contato com a masturbação que fazia a casa inteira tremer, sua rivalidade com Amaranta, ou uma mordida de lábio ao enxergar pela primeira vez José Arcádio Buendia, a atriz consegue nos transportar para o seu universo particular de uma maneira que poucas conseguem.

    Apesar de vários destaques, a piece de resistance da primeira parte de Cem Anos de Solidão, tanto no livro quanto na série, é o mito, a lenda, o homem que é o Coronel Aureliano Buendía. Seu legado ultrapassa Cem Anos de Solidão a ponto de Gabriel Garcia Marquez citá-lo em diversos outros livros como ponto de referência, mais especificamente: Ninguém Escreve ao Coronel.

    Não existem palavras para descrever a potência de Claudio Cataño no papel, no livro, o personagem é enxergado como alguém que carrega a solidão em seus olhos cinzas, e isto é exatamente o que ocorre em sua atuação, durante todas as suas transformações ao longo da série, desde um homem esguio e solitário, sua relação com o anjo que foi Remédios Moscote e principalmente a sua transformação no mítico Coronel que persiste e influencia toda Macondo, ditando inclusive o começo do seu fim.

    Todo este cenário mágico e complexo foi cuidadosamente orquestrado e acompanhado por uma trilha sonora extremamente eficaz, na medida que a NETFLIX encerra com um gancho, como 90% de suas produções, somente nos resta esperar pela segunda parte desta odisseia latino americana, uma continuação que, na minha opinião como amante assíduo do livro, é onde se encontra os melhores momentos de Cem Anos de Solidão e onde o realismo mágico, cuidadosamente trabalhado nesta primeira partem, realmente é despertado.

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    CRÍTICA| Sonic 3 encerra a trilogia com o seu melhor filme e abre caminhos para muito mais

    Dirigido novamente por Jeff Fowler, Sonic 3 amadurece seu universo em aventura divertida e emocionante

    O que eu acho mais divertido em toda a franquia Sonic, é o amor que os realizadores apresentam. O que deveria ser obviamente um flop por conta de uma escolha equivocada do design inicial de seu protagonista, acabou se tornando uma das poucas, senão a única, franquia de adaptação de videogame realmente bem sucedida, tanto em público quanto em crítica.

    Sonic 3 repete a fórmula que fez seus antecessores um sucesso, acrescentando novas camadas, principalmente por meio de uma facilidade que seus roteiristas apresentam: após dois filmes, e uma série derivada, o público já conhece estes personagens com a palma da mão, assim, eles podem ir direto para ação, o que é exatamente o que acontece desde a cena inicial, aprendendo com os erros de seu filme antecessor e não focando demais em personagens humanos que sequer lembramos os nomes.

    Sonic 3 trabalha uma fanfic extremamente bem estruturada, que já foi usado em seu filme antecessor com a inclusão de Knuckles, brilhantemente dublado por Idris Elba, e de Tails. Desde então o universo só aparenta crescer, e a Sega, juntamente com a Paramount, sabem muito bem a mina de ouro que têm nas mãos desde muito antes de um certo vídeo viralizar na internet, em que um menino demonstra seu amor pelo grande vilão do filme de agora: Shadow.

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    Shadow em Sonic 3- Divulgação Paramount Pictures

    A escolha de Shadow como o principal antagonista de Sonic 3 é antes de uma escolha narrativa, uma escolha completamente mercadológica, afinal, depois do ouriço azul, Shadow é um dos personagens mais conhecidos e amados de todo o lore de personagens. Um personagem difícil de adaptar dentro de um filme blockbuster PG-13, pois, mostrar a brutal morte de Maria de maneira eficiente é essencial para a construção de seu personagem, felizmente, o roteiro é construído de tal forma que após uma rápida montagem e uma linda frase sobre estrelas, já choramos com a morte da personagem.

    Do mesmo modo que nos dois primeiros filmes, dentro dos primeiros 10 minutos de Sonic 3, algum personagem expõem verbalmente de maneira bem clara qual é a mensagem do filme, neste caso específico, o filme gira em torno da dor não mudar quem nós somos, jamais tirando o bom que existe dentro de nós. Construindo um espelho claro entre Sonic e Shadow e gerando uma nova camada na medida que somos introduzidos à Gerald Robitink.

    Jim Carrey é um tesouro americano, percebemos em seu olhar o quanto o Doutor Eggman representa, e faz bem para ele, não a toa se tornando o único personagem de sua longeva carreira, que regressou 3 vezes, e desta vez, no melhor estilo Eddie Murphy, contracenando consigo mesmo e mostrando seu verdadeiro potencial como ator em mudanças sutis de gestos e comportamentos entre Ivo Robitinik e seu avô Gerald.

    Shadow, Gerald e Ivo Robitinik são os três principais vilões de Sonic 3. O primeiro é um ouriço que somente conheceu dor a vida toda; o segundo é um homem que deixou o seu rancor e ódio tomar conta, acreditando que um genocídio é a melhor maneira de ter paz; o terceiro é o antagonista que acompanhamos ao longo de dois filmes anteriores e presenciamos sua lenta, mas, satisfatória transformação, em um dos maiores vilões de videogame de todos os tempos.

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    Ivo Robotinik, Gerald Robotinik e Shadow em foto de divulgação de Sonic 3- Paramount Pictures

    Sonic e Robotinik são um espelho negativo um do outro, isto faz com que o embate entre ambos seja tão potente. Desde o primeiro filme, Sonic representa a força da amizade enquanto Robotinik representa os perigos da solidão, na medida que sua vida fez enxergar a amizade e a família como fraqueza, por conta disso, amando tão profundamente suas máquinas, ao inserirmos Gerald Robotinik no jogo, Sonic 3 ganha muito mais força, pois enaltece ainda mais a sua temática.

    O roteiro de Pat Casey constrói a temática da raiva, da angústia e da dor, presente em todos os seus personagens principais: Shadow, Ivo Robotinik, Gerald Robotinik e obviamente Sonic, os fazendo apresentar quatro jornadas distintas, mas, ao mesmo tempo muito significantes e complementares. Cada um deles está em algum espectro dentro da dor, alguns sem chance de retorno, outros ainda com esperança.

    Sonic 3 é o clássico filme pipoca, com profundidades diversas em certos momentos e cenas marcantes, porém, o que realmente o faz algo especial é a consciência que ele é justamente isso: uma forma de entretenimento para as massas.

    Eu assisti o filme em uma sala lotada, em seu dia de estreia, 25 de dezembro. Logo após a ceia, diversos pais e crianças com camisas do Sonic, bonecos, pelúcias, chapéus, combos superfaturados de marcas de cinema, todos sentaram em harmonia para assistir Sonic 3. A sala gritava em harmonia quando Shadow apareceu pela primeira vez, ficou em silêncio durante a morte de Maria, riu com uma performance artística de Jim Carrey, gritou em alguns eventos gloriosos como o retorno da esmeralda do caos e em uma cena pos-creditos que promete um quarto filme tão grandioso quanto.

    Esta é a força que Sonic 3 e a franquia como um todo apresenta. O roteiro é bem construído, a fotografia limpa, os efeitos visuais surpreendem em diversos momentos, os atores estão excelentes, e ele passa uma mensagem importantíssima não somente para as crianças, mas para adultos também. Ele nunca pretendeu ser um filme de Oscar, apesar de seu roteirista fazer campanha para uma indicação de Jim Carrey, e não pretende filosofar e sair de sua zona de conforto, ao contrário, usa a zona de conforto e cativa o público por meio de uma diversão leve e descompromissada.

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    CRÍTICA| Babygirl entretém, mas, não alcança o potencial máximo

    Apesar de um bom filme, Babygirl poderia ter usufruído mais de seu erotismo

    Em 1999, Stanley Kubrick lançou aquele que se tornou seu último filme: De Olhos Bem Fechados. Com Tom Cruise e Nicole Kidman, o filme não teve medo de ousar ao contar a história de um homem de família que se envolve em uma seita sexual. Mais de 20 anos depois, também com Nicole Kidman, surge Babygirl, um filme que um usuário da plataforma Letterboxd enunciou como De Olhos Bem Fechados da geração Z.

    Para inicio de conversa, jamais se deve comparar qualquer filme com algo feito por Stanley Kubrick, nada jamais chegará naquele nível de excelência. Em segundo lugar, apesar de ter potencial e apresentar uma Nicole Kidman extremamente confortável em seu papel, Babygirl não alcança seu potencial como filme erótico, apesar de deixar bem claro os desejos de sua protagonista.

    Segundo Sigmund Freud, grande teórico da sexualidade, o desejo surge de pulsões internas como a sexualidade e a agressividade. Ao longo de Babygirl, acompanhamos Romy, Nicole Kidman em um dos melhores papéis de sua longeva carreira, uma C.E.O de grande corporação, casada com Jacob, Antonio Banderas, e com duas filhas. Sua vida muda ao conhecer Samuel, Harry Dickinson, um estagiário que liberta nela uma vontade reprimida de submissão dentro de relações sexuais.

    Discutindo questões como moralidade e a posição da mulher na sociedade, Babygirl é mais uma adição no catálogo de filmes da produtora A24 que somente este ano lançou outras 10 produções que incluem os excelentes Herege e Love Lies Bleeding, porém, dentro de uma produtora conhecida por filmes de destaque, Babygirl deveria ter proporcionado algo maior, tanto temática quanto esteticamente, para se sobressair, porém, acaba ficando na paralela e sendo somente um bom filme.

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    Nicole Kidman em Babygirl- Divulgação Diamond/A24

    Em questão de estética, a produção apresenta uma direção de arte minimalista, com cenários belos dentro de um universo corporativo, uma trilha sonora marcada por músicas pop e uma fotografia exemplar. O clima natalino permite muitos jogos de luzes, e uma mudança na paleta de cores na medida que Romy se permite desfrutar da própria sexualidade e presencia novas emoções que nunca teve em 19 anos de relacionamento com seu marido. Toda esta construção narrativa, ganha muita força com a presença de Samuel.

    Em O Último Tango em Paris (Bernardo Bertolucci, 1972), os personagens de Marlom Brando e Maria Schneider, decidem se isolar em um apartamento, sem saber nada de suas vidas anteriores, para assim conseguir desfrutar do erotismo de uma maneira única. O roteiro e direção de Halina Reijn segue esta ideia do mistério, construindo Samuel mais como uma figura emblemática, do que como um personagem tridimensional por si. Quando não conhecemos nada da história de um personagem, ele corre o risco de perder a força e se tornar esquecível, porém, no caso de Harry Dickinson, isto somente engrandece seu personagem e por consequência toda a narrativa de Babygirl.

    Em questão de temática, a produção pode ser considerado um coming of age tardio, na medida que Romy se redescobre e cresce com suas experiências. Auxiliado por excelentes atuações, somos apresentados a este universo de dominação, um tabu ainda em certos meios sociais. Os momentos íntimos entre Romy e Samuel ocasionam os pontos altos da produção.

    Ao considerarmos que a geração Z quer menos cenas de sexo em produções cinematográficas, Babygirl ousa muito em momentos pontuais, porém se segura em outros que poderiam ter tido maior ousadia em pró de um maior impacto erótico e no filme como um todo, como a questão da moralidade de Romy, algo presente, principalmente por conta da sua relação com sua assistente Esme, porém, nunca explorada em sua totalidade além de uma discussão sobre o exemplo que ela deve passar por ser uma mulher C.E.O.

    A produção é boa, porém, fica na paralela de diversos temas sociais, o universo corporativo e o seu machismo sobressalente, o papel da mulher dentro e fora da família, o desgaste das relações matrimoniais, a repressão e o desejo sexual, porém, por bem ou por mal, não se aprofunda especificamente em nenhuma delas, construindo um filme de personagem e focando na jornada de libertação e auto-descoberta de Romy, que seguirá muito depois dos créditos se encerrarem.

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    Pôster Oficial de Babygirl– Divulgação A24

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  • CRÍTICA | Superman e Lois traz um final apoteótico para o herói em sua 4º Temporada

    CRÍTICA | Superman e Lois traz um final apoteótico para o herói em sua 4º Temporada

    Superman e Lois aumenta o escopo para como se adaptar o escoteiro da DC Comics, que vai receber uma nova visão em 2025 e terá um páreo a alcançar.

    Após uma batalha crucial com o monstro criado pelo Lex Luthor (Michael Cudlitz), Superman (Tyler Hoechlin) está morto e tanto sua esposa quanto seus filhos precisam lidar com as ameaças a fora que não foram derrotadas e não planejam parar de causar o caos pela Terra.

    Uma informação importante de se dar é que a produção da quarta temporada da série foi completamente afetada graças ao cancelamento da produção e o fato de que não só a produtora CW está chegando ao fim, mas o personagem Superman está retornando aos cinemas com outro ator no papel e aquele deve ser a única versão a ser encontrada pelo novo universo da DC que será estabelecido na indústria audiovisual.

    Sendo assim, com o corte no orçamento, no qual cada temporada custava 75 milhões pelos seus 15 episódios, diversos atores regulares das três temporadas antecessoras não puderam retornar para todos os episódios, tal qual o dinheiro investido em efeitos visuais precisou ter um equilíbrio para os últimos 10 episódios que o seriado reservaria tendo apenas a família do Superman e seu inimigo como protagonistas do enredo ao todo. E o que se pode dizer é que um milagre foi feito.

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    Superman e Lois | Max

    Em qualidade, dá pra dizer que a temporada manteve um nível favorável para as engrenagens que tinha, cada episódio traz um núcleo dos personagens coadjuvantes, que ganham um desenvolvimento e uma conclusão formidável para o que havia sido preparado na temporada anterior, sem enrolação e seguindo de modo direto para que de alguma forma ainda case com a narrativa principal envolvendo derrotar Lex Luthor.

    Contudo, nem tudo são flores, o roteiro de Superman e Lois muitas vezes demonstra correria com assuntos que poderiam ser melhor aprofundados como uma recém descoberta de poderes ou demonstra perda de tempo com um casamento que não apresenta certo propósito para a trama como um todo, onde fica visível que outros assuntos poderiam ser trabalhados no lugar como um trauma pós uma morte chocante.

    Isso sem contar deslizes que acabam acontecendo por falta de atenção ou conveniências que precisavam acontecer, visto que em certo momento da temporada um ser enorme some por alguns episódios, os personagens não sabem onde a criatura está, quando ela se encontra num subsolo que qualquer um com poderes kryptonianos poderia ter localizado. Tal qual, erros estúpidos que personagens cometem para trazer vantagem ao inimigo, seja quebrar propriedade pública ao vivo pra televisão ou decidir ensinar algo aos filhos que poderia ter sido realizado no começo.

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    Superman e Lois | Max

    Dito isso, a temporada se sobressai pelas decisões divergentes que toma com o rumo do Superman. Boa parte do que se vê aqui não foi visto em nenhuma outra mídia, principalmente se tratando do final, e o modo como é conduzido, é com uma delicadeza e profundidade, que não só humaniza o personagem como consegue honrar sua essência, naquilo que foi estabelecido no seriado desde o princípio até aquilo que os leitores mais assíduos entendem do herói.

    Ainda que o último episódio seja emocionante, o destaque fica pro capítulo 7 intitulado “A Regular Guy”, não só pela coragem em seu final e no que isso vai proporcionar aos personagens no futuro, mas por trazer um personagem clássico dos quadrinhos de um jeito que encaixe de modo ideal, explicando sua ausência nas outras temporadas e trazendo uma noção maior do sacrifício que o Clark Kent passa todos os dias e o público deixa de ver só por ser quem é.

    Mesmo com alguns episódios apresentando a forte ausência de alguns integrantes do elenco, não fazendo sentido não estarem agindo para com tal momento ou quando aparecem nem falando muito sobre, o tempo curto que a temporada tem para resolver todos os seus assuntos deixa ela rápida e direta num geral, relembrando aos fãs do porquê se sobressai entre as obras de super-heróis e mantendo a qualidade na trilha sonora comovente, no encaixe da trama de Lois com a do Superman e no claro amadurecimento que cada personagem passou para estar da maneira que se encontra.

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    A quarta temporada de Superman e Lois tem suas decisões questionáveis, mas se tratando de uma produção que planejava finalizar em uma sétima temporada, correndo para abordar certas tramas que deveriam ficar pro futuro, o saldo é realmente positivo. Mostrando que aquilo que a diferencia não se relaciona às cenas de ação ou ao mundo realista imposto, mas em compreender a inspiração que um homem pode transparecer e como a sua família, tão fácil de encontrar no dia a dia, se mostra fundamental para melhorar a pessoa que busca ser.

    Aqui, tanto o intérprete de Clark quanto a intérprete de Lois Lane (Elizabeth Tulloch) deixam suas marcas como uma das, se não “as”, melhores versões que foram adaptadas dos quadrinhos. Todas as nuances tendo sido trabalhadas, desde as características mais famosas até aquelas pouco abordadas, pelo menos do jeito certo. A química faz parecer que na vida real são um casal e a sintonia em tela leva o espectador a compreender o motivo de serem um dos casais mais amados dos quadrinhos de heróis, e não por repetir o que foi feito, mas por melhorar. Proporcionando uma despedida que mesmo sendo triste, ainda apresenta beleza por ter nos dado a chance de acompanhar o máximo possível com tamanha intensidade.

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    CRÍTICA| Amor da Minha Vida mira no real e acerta a comédia romântica

    Estrelada por Bruna Marquezine, Amor da Minha Vida surpreende em sua construção

    Este sou eu agora. Escrevendo a crítica de uma série que não esperava muita coisa. Apesar de apreciar comédias românticas, e ter adorado a série de Todas As Mulheres do Mundo (2020, Jorge Furtado), Amor da Minha Vida não me prendeu nem pelos trailers e nem pelos diálogos, que inicialmente aparentavam extremamente falsos e irreais.

    Logo na primeira cena, eu me vi atraído por uma Bruna Marquezine extremamente confortável no papel de Bia, não a toa ela também produziu, auxiliou no roteiro e foi co-diretora em alguns episódios da produção. Ao longo da série acompanhamos Bia, Bruna Marquezine, e sua relação platônica com Victor, Sérgio Malheiros, em um papel bem menos complexo do que Bia. O elenco de coadjuvantes inclui, João Guilherme, atual namorado de Marquezine e Sophia Abrahão, atual namorada de Malheiros, ou seja, de alguma forma o projeto acaba sendo de família.

    A fotografia e arte são exemplares, principalmente em momentos mais oníricos como o final do episódio 5, aonde a edição da série realmente se supera, ao demonstrar uma espécie de “imaginação/ realidade” que deixa a cena de (500 dias) com Ela (2009, Mark Webb) no chinelo. A direção é bem simplista, seguindo todos os traços clássicos de comédia romântica e embelezando seus personagens de uma maneira que somente a câmera de cinema consegue. O amor envolvido na construção da série é nítido, porém, o maior problema que permeia durante toda a produção de Amor da Minha Vida é o roteiro.

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    Comentando incialmente os diálogos, uma crítica contundente à produção, é o uso constante de monólogos internos, em sua grande maioria iniciados com “Este sou eu agora”. Além disto, é construído uma estrutura de tão nível filosófico, que os personagens constantemente aparentam narrar um livro, ou declamar uma poesia, ao invés de falar como pessoas normais. O que pode irritar o espectador que não compreender a principal intenção de Amor da Minha Vida, algo presente também na produção de Todas as Mulheres do Mundo.

    O objetivo da série não é ser realista, e sim construir algo belo e lúdico, que apresentam traços de realidade, por conta disso, construindo algo teatral e com diálogos dramáticos demais em certos momentos. Assim, apesar de os personagens não apresentarem reais em seus modos de falar, e até mesmo de agir, todos apresentam um fundo real, melhor ou pior construído, com um destaque, obviamente, para Bia.

    Amor da Minha Vida mostra as relações fluidas da atualidade com uma normalidade pouco vista em séries atuais. Não monogamia, trisais, relacionamentos casuais, relacionamentos monogâmicos, traições, garotas de programa, tudo isto aparece de uma forma ou outra, demonstrando o enorme leque que os relacionamentos atuais se encontram. Esta bagunça atua como gasolina para o fogo que a série tenta aquecer durante toda a sua duração, porém, apesar de tentar, ainda mais com uma classificação etária de 18 anos, não consegue alcançar, focando no belo, no seguro e no simples, o que não é um problema inicialmente, até começar a ser.

    Amor da Minha Vida apresenta 10 episódios e diferentes locações e acontecimentos, focando principalmente no Rio de Janeiro, porém, também incluindo Brasília e uma quantidade muito grande de bares e casas para festas. Ao longo desta jornada, vemos os altos e baixos da amizade de Bia e Victor, e vemos o inevitável, que o público consegue prever no primeiro episódio, eles se amam, mas são complicados demais para ficarem juntos.

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    Fernanda Paes e Bruna Marquezine em cena de Amor da Minha Vida- Divulgação pela Star +

    Esta enrolação de ambos continua durante toda a produção, na medida que saem com outras pessoas como Fernanda Paes, que contracena uma calorosa cena de sexo com Marquezine que viralizou na internet, Sophia Abrãao, entre outras, porém, nenhum dos outros ficantes acaba tendo camadas, sendo cascas vazias que auxiliam na construção de Bia e Victor. Ao final, ambos percebem que sempre foram feitos um para o outro, se separam novamente, para se unirem, traírem seus respectivos namorados/namoradas, até chegar ao final que, para a surpresa de ninguém, ambos ficam juntos de vez, após ficarem bravos por passarem exatamente o que eles fizeram os outros sofrerem.

    Bia em diversos momentos é imatura e egocêntrica, Victor é uma criança em forma de adulto funcional. Os secundários não merecem tanto destaque assim, porém, apesar de todos estes problemas estruturais, Amor da Minha Vida merece muito valor por conta de sua construção, não a toa se tornou a série nacional Disney + de maior sucesso de 2024, apresentando um gancho e potencial para uma segunda temporada que provavelmente ocorrerá.

    Levando em conta o que se propõe, a série alcança seu objetivo: construir um conforto para românticos e casais, trazendo uma estética bela e bem construída, com boas atuações de seus protagonistas e algumas reflexões sobre a vida, o universo e suas relações complicadas, o que já é mais do que muitas produções atuais entregam.

    Amor da Minha Vida com certeza será um pulo em sua carreira, ele está brilhante e a série foi construída para ela brilhar. Como um todo, a produção tenta trazer realidade e quebrar esteriótipos de comédias românticas, porém, ao final, acerta bem no alvo daquilo que tentou fugir, o que pode ser bom ou ruim dependendo do espectador, para mim, foi uma grata surpresa.

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  • CRÍTICA | O Senhor dos Anéis: A Guerra dos Rohirrim é um morno retorno ao universo de Tolkien

    CRÍTICA | O Senhor dos Anéis: A Guerra dos Rohirrim é um morno retorno ao universo de Tolkien

    Com uma nova protagonista e diversos cenários conhecidos, Senhor dos Anéis: A Guerra dos Rohirrim se utiliza de uma nova estética para manter o fã cativo

    Em 2003, Peter Jackson lançou Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei, finalizando uma das maiores trilogias de fantasia da história e ganhando 11 Oscars no processo. Após mais de 20 anos, uma tentativa de uma nova trilogia com O Hobbit, uma série da Amazon que divide público e crítica, somos apresentados a um novo modelo de transmídia, por meio de Senhor dos Anéis: A Guerra dos Rohirrim em uma animação 2D com um estilo fluido que somente é permitido por meio da estética anime.

    Produzido por Peter Jackson e dirigido por Kenji Kamiyama, o filme conta a história de Héra, filha do rei de Rohan: Helm Mão de Martelo, que deve liderar os Rohirrim, e lidar com a inimizade de seu amigo de infância, após o pai ocasionar um conflito ao defender sua honra.

    A produção apresenta diversas relações com a trilogia original de Jackson, como a aparição de locais como Isengard, Ronan e a citação de Gondor, além da maior ligação com a trilogia original: o fato de Senhor dos Anéis: A Guerra dos Rohirrim ser dublada por Éown, uma das poucas mulheres, e uma das mais importantes de toda a jornada do anel escrita por Tolkien.

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    O Mûmakil recebe um destaque assustador no filme- Divulgação por Warner Bros Pictures

    A escolha de Éown como narradora é proposital, na medida que Héra é uma protagonista somente citada em apêndices do material original de Tolkien, nem mesmo apresentando um nome por si, um fato inclusive citado no filme, a produção apresenta liberdades para a construção de sua história, assim, Héra se torna uma líder determinada, teimosa e guerreira, porém, acaba caindo em um mito atual da strong female character.

    A strong female character é um arquétipo muito usado na cinematografia atual, sendo o oposto da donzela em perigo, visto em tantas produções ao longo do século XX, porém, apesar de existirem personagens femininas louváveis que pertencem à este arquétipo, como Elen Ripley na franquia Alien, diversas outras personagens caem no espectro de pouco desenvolvimento e acaba sendo forte, somente por ser mulher, quando na verdade deveria ser uma mulher que coincidentemente é forte, trazendo uma maior profundidade à personagem.

    O Senhor dos Anéis: A Guerra dos Rohirrim, apresenta diversos personagens interessantes, principalmente Helm Mão de Martelo, um dos personagens mais fortes e determinados, apresentados em todo o universo Tolkien, e que apresentaria muito mais potencial para carregar um filme do que Héra.

    O Senhor dos Anéis: A Guerra dos Rohirrim apresenta diversos pontos positivos, todos eles relacionados à estética escolhida para a produção. O anime permite uma maior fluidez e um maior nível de detalhismo que somente a animação consegue trazer, um olhar transmite muitos mais sentimento do que uma atuação jamais poderia trazer, até mesmo de animais como águias e os Mumakil, além disso, o filme não apresenta medo de mostrar a violência de toda a Guerra dos Rohirrim por si, ocorrendo mortes tão chocantes quanto os filmes de Jackson.

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    Cena de Senhor dos Anéis: A Guerra dos Rohirrim- Divulgado pela Warner Bros Pictures.

    Apesar de esteticamente ser uma obra exemplar, em questão estrutural de narrativa o filme peca, principalmente na construção de sua protagonista, que apresenta pouco aprofundamento além do fato de ser guerreira, não querer casar, amar seu pai e ser ruiva. O roteiro apresenta alguns furos e problemas de ritmo, como um discurso otimista de Helm, em plena batalha, vemos homens avançando para atacá-lo, porém, coincidentemente eles somente o alcançam quando acaba de dar um longo discurso.

    Com duas horas e 14 de duração, a produção se estende um pouco mais do que deveria, nem mesmo as batalhas mais épicas conseguem salvar o filme de se arrastar. Acompanhamos a iminência da batalha, o conflito entre Héra e Wulf, a mitologia criada em cima da imagem de Helm, que poderia ser explorada muito mais, e diversas frases de efeito que tentam recriar o a potência da frase de Éown na batalha final de O Retorno Do Rei.

    Na medida que bebe do passado, O Senhor dos Anéis: A Guerra dos Rohirrim perde forças por si só, apresentando momentos obviamente de fan service como a aparição de Saruman para falar uma frase e somente uma menção à Gandalf.

    Apesar de ser um bom retorno à Terra Média, sendo considerado um ensaio para futuras produções como A Caçada por Gollum. Senhor dos Anéis: A Guerra dos Rohirrim toma escolhas duvidosas em sua construção, porém, para uma reintrodução cinematográfica à Terra Média, acaba cumprindo o seu papel de teste, atraindo os fãs de volta.

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  • CRÍTICA| Wicked pega algo bom e evolui a um nível glorioso

    CRÍTICA| Wicked pega algo bom e evolui a um nível glorioso

    Unindo um dos melhores musicais da Broadway, e o melhor que a sétima arte consegue proporcionar, Wicked é gigante na medida certa.

    Baseado no musical da Broadway, que é baseado no livro homônimo de 1995, escrito por Gregory Maguire, que é baseado no filme O Mágico de Oz, que por sua vez é baseado no livro homônimo de L. Frank Baum. Wicked se tornou um sucesso milionário ao longo dos anos, estando a mais de 20 anos em cartaz na Broadway, porém, uma produção cinematográfica parecia longe de acontecer, apesar de seu contexto ser extremamente cinematográfico.

    Jon M. Chu ficou encabeçado pela direção, e cada plano do filme, demonstra o amor que o cineasta apresenta pela produção e por toda a história, a ponto de ter cultivado 9 milhões de tulipas para construir Munchkinland, ao invés de simplesmente ter optado pelo CGI, algo constante no filme, porém, com um grau de personalidade perdido após tantos filmes de super heróis.

    Com o título oficial de Wicked: A História Não Contada das Bruxas de Oz, a produção conta a amizade e iminente separação de Glinda, a bruxa boa do Sul, e Elphaba, a bruxa má do Oeste, antes dos eventos que levaram à derrota da última pelas mãos de Dorothy.

    Um acontecimento ocorrido na sessão, define as vantagens de Wicked com maestria. Após a performance da música The Wizard And I, a plateia inteira aplaudiu e gritou, porém, um homem gritou no fundo da sala que ali não era um teatro. Apesar de apresentarmos esta consciência, Jon M. Chu construiu sua adaptação como uma experiência que não ignora as qualidades do icônico musical, mas sim as amplia, tornando algo glorioso e especial para fãs.

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    Ariana Grande em cena de Wicked- Divulgação Universal Pictures

    Os melhores truques usados por Jon M. Chu são: direção de fotografia, design de produção e principalmente elenco.

    A direção e a direção de fotografia se somam, por meio de diversos planos sequências e detalhes, o filme proporciona uma experiência que nenhuma performance teatral, por mais grandiosa que seja, jamais conseguiria proporcionar. No teatro, estamos distantes dos personagens, o cinema permite uma maior aproximação. Um pé empinado na performance de Popular, um abraço que a câmera está mais próxima do que nunca deste amor fraternal, um plano sequência que acompanha Defying Gravity, entre outros momentos que nos tiram o fôlego. Por meio de um universo fantástico e meticulosamente cuidado, Wicked consegue cativar até mesmo aqueles que não gostam de musical.

    O design de produção é estrondoso, O Mágico de Oz é um dos filmes mais importantes da história do cinema, e isto é relembrado a cada plano idealizado por Chu e companhia. A criação estética da produção é assustadora, jogos de luzes, figurinos maravilhosos, construções idealizadas somente para o filme como um trem de 16 toneladas que realmente anda, efeitos práticos em momentos essenciais, e efeitos digitais que se somam dentro deste universo fantástico e lúdico que é Oz.

    Além de tudo isto, o principal ponto a se considerar em Wicked, e sua maior força como um todo, é o elenco estelar escolhido a dedo: Ariana Grande é fantástica como Glinda, roubando a cena toda vez que aparece, trazendo uma Glinda perfeita como contraponto à Cynthia Erivo, o verdadeiro brilho da produção.

    Idina Menzel eternizou Elphaba na primeira versão teatral de Wicked, porém, após Cynthia Erivo, não me surpreenderia se futuras interpretações da personagem, sejam feitas por mais atrizes negras. Cada música, cada tom, cada performance brilhante, consegue levar a audiência ao chão e nos faz refletir sobre o quanto a público e a audiência desvaloriza certas atrizes.

    Cynthia Erivo e Ariana Grande em cena de Wicked

    Cynthia Erivo e Ariana Grande em cena de Wicked- Divulgação Universal Pictures

    Todo o crédito à Ariana Grande, sua performance está excelente e seu estrelato como uma das maiores cantoras pop da atualidade, com certeza trará milhões de pessoas ao cinema, somente por ela, porém, é Cynthia Erivo que realmente domina o filme todo, apesar do duplo protagonismo de ambas. Levando em conta que ambas cantaram ao vivo, é algo assustador o que se construiu.

    Como um todo, Wicked é espetacular, agradando gregos e troianos, os fãs de musicais e somente os apreciadores de bom cinema. Por 2 horas e 40, somos maravilhados por beleza atrás de beleza, até terminar na joia da coroa que é a performance de Defying Gravity, prometendo grandes coisas para a sequência programada para 2025.

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  • CRÍTICA | Arcane traz uma jornada inesperada com uma animação superior para sua 2º Temporada

    CRÍTICA | Arcane traz uma jornada inesperada com uma animação superior para sua 2º Temporada

    A última temporada da primeira adaptação do universo League of Legends, realizada pela Netflix, encontra o equilíbrio ideal de fazer algo diferente, inesperado e cheio de coração.

    Depois de anos esperando o retorno, de uma das maiores surpresas já entregues pela plataforma da Netflix, para compreender o que houve após a personagem Jinx lançar um ataque contra a elite de Piltover que organizava um acordo de paz com o lado de Zaun, já que personagens importantes poderiam ter morrido e uma nova guerra poderia se instaurar, seria difícil segurar a ansiedade e empolgação, ainda mais com a qualidade que nos foi entregue a primeira temporada. Então, para quem aguardava algo do mesmo nível ou até mais, dificilmente se decepcionou.

    Uma coisa que surpreende de cara ao iniciar a 2º Temporada de Arcane é ver o contraste nas animações, remetendo ao que Homem Aranha: Através do Aranhaverso fez recentemente, brincando com estilos de animação, com a contagem de frames por segundo e evoluindo o que já havia feito anteriormente, esclarecendo a demora para essa nova temporada chegar, tal como fazendo valer a pena essa espera. Indo de uma tinta guache para uma forte conversão com o estilo 2D, remetendo a algo mais desenhado e rabiscado.

    A complexidade em curtas cenas deve ser reconhecida também, já que durante alguns movimentos, mesmo que tudo seja desenhado ou feito no computador, a câmera parece se prender a um objeto, trazendo uma sequência quase que em primeiro plano. E indo além, ao brincar com inúmeras realidades, em fundos desfocados ou planos rápidos, é possível ver indicadores do que está diferente, do que vem de uma memória antiga ou universo perdido.

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    Arcane (2º Temporada) | Netflix

    Entretanto, as qualidades não param pelo visual e a narrativa progride de modo fascinante, o inicio da temporada acarreta em personagens que até então não haviam interagido, se conhecerem, e outros com problemas pendentes, a se resolverem. A promessa do que poderia ficar para o final da temporada, ganha um clímax já no terceiro episódio, e as surpresas não param por aí, já que cada trama percorre pra um caminho divergente do outro e ainda que possam soar distantes, apenas vão se entrelaçando mais para um afetar o outro, progredindo para um final arrebatador.

    O grande diferencial de Arcane, contudo, não vem na entrega das tramas e sim na abordagem reflexiva que cada personagem proporciona com seus anseios e suas resoluções para com os problemas, indo de comprar a ideia pelo controle de um povo por uma perspectiva ditatorial para a fé cega que pessoas doentes ou frágeis tendem a demonstrar para com aqueles que aparentam trazer a verdadeira cura, quando essa farsa vem de um poder desconhecido que não deveria ter sido encontrado.

    Além disso, o tratamento para com a complexidade dos personagens desenvolvidos brilha ao tirar a ideia de que uma é vilã por ter tomado péssimas decisões ou que o mais santo não poderia esconder um monstro dentro de si, proporcionando ao espectador sentimentos contrários diversas vezes, porque entre o certo e o errado, existem apenas pessoas afetadas pela jornada, pelo passado (ou pelo futuro), que sentem a necessidade de responder de acordo com o que as prepararam para aguentar e tal preparo não foi suficiente.

    Arcane (2º Temporada) | Netflix

    Arcane (2º Temporada) | Netflix

    Dessa forma, cada atitude repercute e impacta na vida de outro, podendo levar a repensar as ideias, reconhecer os erros, ou abraçar ainda mais o possível destino que imagina ter pra si. Com isso, ainda que os 40 minutos de duração por capítulo deem conta de contar uma história fluída, sem soar apressada ou enrolada, não deixando cada trama ficar perdida na festa. Os personagens acabam sendo tão ricos, passando por situações tão interessantes e até complexas, que seria merecido receberem uma temporada para protagonizar ou um episódio completo para si, como de certa forma ocorre no sétimo ”Fingir que é a primeira vez”.

    Ao final, portanto, não deixa a desejar, entregando muita ação e filosofia ao mesmo tempo, relembrando o inicio da série, as relações que realmente importam, ao mesmo tempo que cada pequeno detalhe plantado durante a jornada ganha fruto. Ainda que alguns ocorridos possam soar apressados, na minha visão, eles veem pelo bem da urgência que o final pede. E a falta de mais diálogos sobre o fim dos que sobreviveram ganha preenchimento com o pouco mesmo. Se quiser algo mastigado, tem muitas outras obras que farão o serviço desnecessário.

    Vale destacar que além da animação excelente e, como devo ter transparecido durante o texto, a ótima montagem guiando tantas tramas em conjunto sem deixar perdido aquele que assiste, há um exímio trabalho por parte da trilha sonora presente em meio aos combates que, mesmo ficando mais perceptível um valor adicional por parte da produção para trazer mais músicas ao invés da primeira temporada que veio em momentos pontuais, consegue intercalar pontualmente com cada cena, causando a comoção pedida pelo roteiro e de forma alguma, sendo encaixada forçadamente.

    O terceiro capítulo ”Finalmente acertou o nome” representa de forma espetacular o que estou elogiando, porque não é qualquer obra que consegue casar uma cena de ação com uma cena de descoberta totalmente fora da casinha, oferecendo uma bagunça visual que nunca se torna incompreensível, onde a música usada consegue tanto funcionar de um jeito empolgante para o combate visto quanto de modo lúdico, como se tivesse fazendo uma descoberta que mudaria o mundo e a forma de pensar sobre, que é exatamente o que ocorre em cena.

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    Arcane (2º Temporada) | Netflix

    Arcane entrega um daqueles finais satisfatórios, onde a produção prova que sabia a história que queria contar, para onde planejava levar e em que momento sabia que devia parar. Mesmo com a divisão de arcos proporcionado pela entrega semanal de episódios, o ritmo nunca se perde e consegue muito bem equilibrar os momentos de paz com pura loucura. A estética evolui em muito e fácil pode se estabelecer como uma das mais lindas que vai encontrar, onde cada frame pode servir de plano de fundo pra tela do computador.

    Mesmo que a série seja baseada em jogos e fique claro que os personagens estão evoluindo para se tornarem algo familiar para quem entende, isso em nada afeta a experiência daqueles que desconhecem, mostrando a sabedoria de conseguir mexer com algo que tem sua base de fãs e agradar tanto ela quanto aqueles que podem se interessar a partir do que assistiu. Demonstrando ser uma obra completa!

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    CRÍTICA | Em Gladiador II, Ridley Scott retorna à arena com ambição e crítica ao Poder

    Mesmo carregado de sentimentalismo e algumas conveniências narrativas, Gladiador II ousa expandir o universo da Roma Antiga, apresentando novos protagonistas divididos entre lealdade e rebeldia.

    Desde que lançou “Gladiador” (2000), há mais de vinte anos, Ridley Scott (“Blade Runner”) manteve um ritmo de produção impressionante, chegando a lançar dois filmes por ano, até mesmo aos 86 anos. Ainda que sua filmografia tenha se expandido consideravelmente desde então, “Gladiador” segue sendo uma de suas obras mais adoradas. Após anos de pedidos por uma continuação, Scott finalmente traz “Gladiador II” aos cinemas, retomando a história com seu toque característico de crítica afiada às grandes corporações — agora adaptada ao contexto do Império Romano.

    Na nova trama, Lucius (Paul Mescal), ao ver seu lar ameaçado pelos tiranos que governam Roma, é forçado a entrar no Coliseu. Ele precisará revisitar seu passado em busca de forças para restaurar a glória de Roma e devolver sua dignidade ao povo.

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    Gladiador II | Paramount Pictures


    Diferentemente de retomar a jornada de Maximus (Russell Crowe), Scott adota uma abordagem atualizada, mais próxima de seu estilo recente, ao dividir o espírito do protagonista original entre Lucius e Acacius (Pedro Pascal).

    Enquanto Lucius carrega o ressentimento por ter sido injustiçado pelo Império, influenciado também por sua relação com Lucilla (Connie Nielsen), irmã de Commodus, Acacius, um general que vive no coração do poder, sente o peso de servir a uma sociedade obcecada pela conquista, mas que ignora seu próprio povo. Esses personagens confrontam o Império de perspectivas diferentes, criando um embate entre lealdade e insubmissão, atualizando e aprofundando as questões do filme original.

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    Gladiador II | Paramount Pictures


    Entre os destaques do elenco está Denzel Washington (“Dia de Treinamento”), que brilha no papel de Macrinus, um vilão astuto que manipula o cenário político com maestria, entregando uma atuação magnética e implacável.

    O longa-metragem também resgata diversas rimas visuais e sonoras que marcaram o primeiro “Gladiador”, buscando, assim, reforçar a nostalgia do público que acompanhou o sucesso anterior. No entanto, essas referências são apresentadas com efeitos variados e nem sempre sutis, o que pode criar uma sensação de familiaridade, mas também de repetição.

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    Gladiador II | Paramount Pictures

    Embora Ridley Scott se destaque no aspecto técnico com a criação de cenários grandiosos, batalhas épicas e cenas meticulosamente elaboradas, sua direção, em alguns momentos, exibe uma certa falta de controle. Esse descontrole se reflete na utilização de conveniências narrativas que parecem forçadas e no excesso de sentimentalismo, principalmente nas passagens relacionadas aos laços familiares de Lucius, que acabam ganhando um peso dramático exagerado. Ainda que o diretor amplie as discussões sobre poder, ambições e ideais, algumas tramas que foram encerradas de forma clara no primeiro filme retornam de maneira redundante, o que prejudica a sensação de urgência e novidade em determinados momentos da história.

    Além disso, o ritmo da narrativa, em certos trechos, se torna um tanto arrastado, prejudicando o fluxo geral da trama. O exagero no sentimentalismo e a insistência constante em explorar temas familiares fazem com que algumas das decisões de Lucius se tornem previsíveis e, por consequência, enfraqueçam a complexidade de suas escolhas. O longa, em diversos momentos, parece se prender excessivamente a essas questões, limitando o desenvolvimento de outros aspectos da história e diminuindo o impacto de certas reviravoltas e personagens.

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    Gladiador II | Paramount Pictures


    Ao final, entre acertos e erros, “Gladiador II” apresenta um saldo positivo. Apesar das falhas apontadas, a nova aventura entrega um espetáculo visual e oferece uma crítica provocadora ao sistema de poder, contando com um elenco talentoso que, ao lado de Scott, dá continuidade ao legado do primeiro longa. Embora perca fôlego em algumas partes, o filme mantém sua crítica incisiva ao poder e aos impérios, entregando uma obra ambiciosa que desafia convenções históricas.

    “Gladiador II”, portanto é pop, desafiador e frenético; para Scott, que já se consagrou, alcançar a eternidade deixou de ser prioridade — agora, ele aproveita a liberdade de sua própria arena.

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  • CRÍTICA | Pinguim se Torna Aposta Certeira da DC e Peça Fundamental para o Futuro do universo de Matt Reeves

    CRÍTICA | Pinguim se Torna Aposta Certeira da DC e Peça Fundamental para o Futuro do universo de Matt Reeves

    Com uma narrativa intensa e personagens complexos, Pinguim revela a essência perturbadora de Gotham e promete moldar e revirar o futuro do universo de ‘The Batman’.

    A série do Pinguim, nesse contexto de um pós -“The Batman”, traz uma profundidade muito interessante para um personagem que, apesar de carismático, sempre foi uma figura perturbadora e, até certo ponto, incompreendida. A atuação é, sem dúvida, o ponto mais alto da trama, com o ator (Colin Farrell) encarnando o Pinguim de uma forma que nos faz questionar constantemente nossa própria visão sobre o que é “bem” e “mal”. Essa habilidade de fazer o público simpatizar com um psicopata e depois, no mesmo episódio, lembrá-lo de sua frieza é um jogo arriscado, mas bem executado. A série tem coragem de se manter nessa linha tênue, sem buscar redenção barata para Oswald Cobb, o que é um ponto positivo e uma escolha ousada.

    O enredo se apoia na briga de poder após a morte de Carmine Falcone, com o filho Alberto Falcone (Michael Zegen) assumindo o trono, até ser brutalmente assassinado por Oz. Essa morte fria e impiedosa nos dá o tom da série, reforçando que, em Gotham, a sobrevivência é para quem está disposto a fazer sacrifícios e Oz, mais do que qualquer um, parece pronto para qualquer coisa. A introdução de Alberto e o conflito entre ele e Oz servem como um catalisador perfeito para o caos que só cresce entre o restante da família Falcone.

    A morte de Alberto nas mãos do Pinguim, ao invés de ser meramente um ato de maldade, acaba revelando traços da personalidade desequilibrada de Oswald, além de um desprezo pelo poder estabelecido, sugerindo que ele não busca só o controle de Gotham, mas algo mais profundo: uma subversão total.

    Com uma narrativa intensa e personagens complexos, Pinguim revela a essência perturbadora de Gotham e promete moldar e revirar o futuro do universo de 'The Batman'.

    Pinguim | HBO | Max

    Ao longo da série, somos apresentados a dois personagens que dão ainda mais profundidade ao caos da série: Victor Aguilar (Rhenzy Feliz) e Sofia Falcone (Cristin Milioti) que entregam um verdadeiro espetáculo de atuação. Victor, um jovem que tenta sobreviver nos bairros pobres de Gotham, é pego tentando roubar peças do carro de Oz. O Pinguim, no entanto, não apenas o poupa, mas o faz seu “aliado”, desde que o rapaz o ajude a esconder o corpo de Alberto Falcone. Esse encontro com Oz acaba sendo o começo do fim para Victor, que, na tentativa de sobreviver, se envolve cada vez mais no submundo do crime. É uma história trágica que ressalta a perversidade de Oz: digamos que ele dá uma falsa escolha a Victor, mas o destino do jovem já está selado desde o momento em que cruza o caminho do Pinguim. Victor representa a juventude de Gotham, constantemente destruída pelo sistema e pelas figuras de poder.

    Já Sofia Falcone, filha de Carmine Falcone, surge como um contraste interessante. Ela é uma personagem marcada pela dor e pela vingança, moldada pelas decisões do próprio pai, que a usou como peão e a condenou ao Asilo Arkham por crimes que ela não cometeu. Seu tempo em Arkham apenas alimentou sua fúria e destruiu qualquer traço de sanidade que ela pudesse ter. Ao sair, Sofia é um misto de ódio e resiliência, determinada a vingar-se e a tomar o que julga ser seu por direito. Com a morte de seu irmão Alberto, o ódio reprimido de Sofia explode, tornando-se um desafio real para Oz. O apelido de “Carrasco” acaba realmente pegando por uma boa razão, e a rivalidade entre ela e Oz é um dos pontos mais intensos da trama, que vem sendo mostrado desde a época que Oswald trabalhava como motorista da família Falcone.

    A relação de Oz com Sofia e Victor deixa claro que, apesar de seu discurso sobre justiça social, ele só usa as pessoas para seu próprio ganho. Ele explora a empatia do público ao se posicionar como vítima da sociedade, destacando as desigualdades de Gotham e dando aos bairros pobres uma sensação de esperança. Contudo, é tudo uma manipulação: ele nunca busca ajudar de fato, apenas recruta essas pessoas como ferramentas para seus próprios fins.

    Com uma narrativa intensa e personagens complexos, Pinguim revela a essência perturbadora de Gotham e promete moldar e revirar o futuro do universo de 'The Batman'.

    Pinguim | HBO | Max

    No decorrer da série, somos introduzidos a Francis Cobb (Deirdre O’Connell), mãe de Oz, e entendemos a obsessão doentia de Pinguim por ela. O amor que Oz sente pela mãe é tão extremo que ele chega ao ponto de matar os próprios irmãos para garantir que Francis seja apenas dele. Esse relacionamento distorcido aprofunda ainda mais a complexidade de Oz, mostrando como suas conexões mais íntimas também moldaram seu caráter. É algo que nos faz questionar se, de algum modo, ele também é um “produto” das influências à sua volta ou se o próprio coração dele sempre foi dominado por essa frieza cruel.

    A brutalidade de Oz atinge um ponto alto quando ele queima vivos o filho e a esposa de Salvatore Maroni, mais um ato de crueldade que nos faz questionar até onde ele irá. Até que chega o momento em que o mesmo assassina Vic, seu jovem comparsa, de maneira gratuita e cruel, logo após o rapaz ajudá-lo a derrubar Sofia Falcone e a consolidar seu poder sobre Gotham. Essa morte é a gota d’água para o público que, até então, ainda mantinha algum tipo de compaixão por Oz. É aqui que percebemos a extensão da frieza dele: Vic, que poderia simbolizar alguma redenção ou laço genuíno, é apenas outra vítima descartável para Oz. O peso dessa morte é brutal, como se fosse uma última evidência de que o Pinguim é imutavelmente o diabo.

    O desfecho da série abre novas possibilidades. Com a nova queda de Sofia Falcone, a mesma é enviada de volta ao Asilo Arkham, onde recebe uma carta de sua meia-irmã Selina Kyle. Esse detalhe adiciona um gancho interessante, apontando para uma possível expansão do universo e quem sabe até um spin-off ou uma nova trama que pode ser explorada em “The Batman 2”.

    A Warner acerta em cheio com a série, tanto em termos de desenvolvimento de personagem quanto no universo sombrio e caótico que constrói ao redor do Pinguim. É uma produção que mantém a essência de Gotham e do Batman, deixando os fãs ansiosos por muito mais. Matt Reeves já deu indícios de que há mais surpresas a caminho, e, se esse primeiro arco é algum indicativo, o que vem a seguir promete ser ainda mais intenso. No final, a série do Pinguim fecha com um gostinho de “quero mais”, abrindo as portas para que esse vilão tão complexo mergulhe ainda mais fundo na escuridão de Gotham.

    Os 8 episódios de Pinguim já se encontram disponíveis na Max.

  • CRÍTICA| Como série de bruxaria, Agatha Desde Sempre é excelente

    CRÍTICA| Como série de bruxaria, Agatha Desde Sempre é excelente

    Agatha Desde Sempre prova seu potencial ao fugir de uma fórmula desgastada

    Caso você procure as séries da Marvel no IMDB (Internet Movie Database), todas estão incluídas dentro do subgênero de super herói, de Wandavision até Echo, porém, se você abrir a página de Agatha Desde Sempre, o primeiro subgênero é de fantasia sobrenatural, e isto diz muito sobre a série.

    Uma sequência direta de Wandavision, Agatha Desde Sempre foca na bruxa Agatha Harkness após ser libertada do encanto lançado pela Feiticeira Escarlate. Ao conhecer um adolescente, eles formam um coven para assim andarem o caminho das bruxas e buscarem os seus maiores desejos.

    Por conta de ser a primeira série do MCU pensada exclusivamente para o formato de série, e não um filme estendido por 6 horas, como Gavião Arqueiro e o tenebroso Invasão Secreta , e apresentando um orçamento mais modesto, o que permite muitas liberdades criativas, Agatha Desde Sempre tira sua força de três grandes pilares: atuação, roteiro e coragem.

    Em questão de atuação: Kathryn Hahn está super confortável de volta no papel, agora em seu momento de redenção, apresenta destaque, mas, se torna uma personagem secundária dentro da própria história, em pró de novos personagens como Aubrey Plaza, em uma personagem perfeita para o seu modo expansiva, e por Joe Locke, o grande destaque da produção, e a maior ligação com Wandavision.

    Agatha Desde Sempre

    Aubrey Plaza em cena de Agatha Desde Sempre- Divulgação/Disney

    Dentro de um universo fantástico que remete à produções juvenis dos anos 2000, o roteiro nos leva em uma jornada pequena, porém, muito bem construída, cada desafio do caminho das bruxas é único, seja uma espécie de escape 60, uma batalha de bandas, ou um jogo de tarot, cada parte permitindo que os personagens liberem o seu potencial.

    Apesar da produção apresentar maior liberdade do que outras do MCU, Agatha Desde Sempre se mantém no seguro, ousando principalmente em seus três últimos episódios, porém, perdendo oportunidades ao longo do resto da série de construir, entre muitas coisas, a primeira produção realmente de horror em 16 anos de produções Marvel.

    As 7 bruxas de Salem, o demônio durante a batalha de bandas, a possessão de Agatha no cenário anos 80, entre outros momentos, demonstram como a produção apresentava material para realmente trazer algo assustador, porém, perdendo estas oportunidades em pró de uma construção intimista de personagens que alcança seu auge nos 3 episódios finais.

    Um consenso entre os fãs da produção, é que o 7º episódio de Agatha Desde Sempre, Se a morte me encontrar, é o melhor da temporada. Focando na história pregressa de Lilia, o episódio é uma aula de construção narrativa em um tempo inferior à 30 minutos, lidando com diversas linhas temporais, evoluindo os personagens e trazendo uma maturidade que não explorada dentro do MCU.

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    Kathryn Hann e Joe Locke em cena de Agatha Desde Sempre- Divulgação/Disney

    O episódio 8, do mesmo modo que Wandavision, não consegue escapar do final dicotômico da maioria de produções da Marvel em que o bem luta contra o mal, sempre auxiliado por efeitos visuais. Em contrapartida, o episódio 9 de Agatha Desde Sempre traz um merecido descanso.

    Bruxa, Mãe e Algoz é o episódio mais lento em questão de ritmo, mostrando as origens de Agatha e do caminho das bruxas, porém, trazendo uma resolução e um conforto necessário dentro de uma produção que merece parabéns pela ousadia, apresentando como protagonista uma personagem praticamente desconhecida, ousando em questões sexuais que eram inexistentes em produções anteriores, e que com muita coragem e um bom roteiro, trouxe um respiro em um desgaste da fórmula do sub gênero de heróis.

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  • CRÍTICA I Ainda Estou Aqui é um retrato da luta pela memória e resistência

    CRÍTICA I Ainda Estou Aqui é um retrato da luta pela memória e resistência


    Walter Salles nos entrega, com “Ainda Estou Aqui”, uma reflexão densa e necessária sobre as cicatrizes deixadas pela ditadura militar no Brasil e a busca incansável por justiça.

    Adaptado do livro homônimo e autobiográfico de Marcelo Rubens Paiva (“Feliz Ano Velho”), o longa se destaca não apenas por seu conteúdo emocionalmente potente, mas também por sua relevância histórica. Aclamado em sua estreia no Festival de Veneza 2024, “Ainda Estou Aqui” foi escolhido para representar o Brasil na corrida pelo Oscar 2025, na categoria de Melhor Filme Internacional, reforçando sua importância tanto no cenário nacional quanto no internacional.

    Mais do que um simples longa, “Ainda Estou Aqui” vai além ao se consolidar como uma das produções mais marcantes do ano. Sua narrativa oferece um olhar profundamente humano sobre um dos períodos mais dolorosos da história recente do Brasil, tornando-se uma obra que ressoa intensamente com as feridas ainda abertas na sociedade.

    CRÍTICA I Ainda Estou Aqui é um retrato da luta pela memória e resistência
    Ainda Estou Aqui I Sony Pictures Entertainment


    A trama acompanha Eunice Paiva (Fernanda Torres/Fernanda Montenegro), uma mulher que se torna ativista após a captura de seu marido, Rubens (Selton Mello), pelo regime militar, em 1971. Esse evento traumático a imerge em uma luta pela memória e pela verdade, enquanto busca entender o destino de Rubens e lida com o impacto emocional em si e em seus filhos.

    Sob a direção sensível de Walter Salles (“Central do Brasil”), o filme não se limita a uma representação crua e direta da brutalidade do regime militar. Salles opta por um enfoque mais introspectivo, ao explorar o sofrimento interno de Eunice e as consequências silenciosas, mas devastadoras, da repressão. A dor psicológica e o luto incerto da personagem são apresentados de forma sutil e angustiante, criando uma narrativa que mescla memória e realidade de maneira a transcender a individualidade, tocando em questões universais.

    A atuação de Fernanda Torres (“Terra Estrangeira”) é o coração do longa. Ela incorpora uma Eunice forte, mas, ao mesmo tempo, vulnerável, uma mulher que carrega a dor da perda e da incerteza, mas que transforma esse sofrimento em resistência. Já Fernanda Montenegro (“A Vida Invisível”), em uma participação breve, mas impactante, dá vida à versão mais velha de Eunice, encerrando o ciclo da personagem com a profundidade e a sensibilidade, que só uma atriz de seu calibre poderia trazer.

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    Ainda Estou Aqui I Sony Pictures Entertainment


    Além das atuações memoráveis, o longa também se destaca tecnicamente. A fotografia, de Adrian Teijido (“Medida Provisória”), recria com precisão a atmosfera dos anos 70 no Rio de Janeiro, equilibrando a nostalgia de um período que se perde e a opressão do contexto político. A paleta de cores escolhida, junto com a estética visual, reforça essa dualidade entre os momentos alegres que antecedem a tragédia e o ambiente sufocante da ditadura. O uso de material de arquivo e de noticiários da época, entremeados à narrativa, conecta a ficção à realidade histórica de maneira autêntica e eficaz, lembrando o espectador da importância de manter viva a memória coletiva.

    A reconstituição de cenários também merece destaque. Sob a direção de arte de Carlos Conti (“Diários de Motocicleta”), os espaços recriados transportam o espectador para o clima de constante vigilância e incerteza que predominava na época. O figurino, assinado por Claudia Kopke (“Tropa de Elite”), complementa essa ambientação, sendo fiel à moda e aos costumes das décadas retratadas.

    A transição entre os anos 70 e 90, que marca diferentes fases da vida de Eunice, é conduzida com fluidez e precisão, permitindo ao filme explorar a evolução da luta não só de Eunice, mas também de seu filho, Marcelo Rubens Paiva (Antônio Saboia). Marcelo se torna uma figura fundamental na discussão sobre a “Lei dos Desaparecidos”, sancionada por Fernando Henrique Cardoso nos anos 90, o que adiciona uma camada extra de profundidade ao enredo.

    Foto 3
    Ainda Estou Aqui I Sony Pictures Entertainment


    O desfecho é comovente e profundamente simbólico. Salles opta por um final que não apela para o sensacionalismo ou para cenas de violência explícita. Em vez disso, o diretor foca na intimidade emocional de Eunice, lembrando o público de que o impacto da repressão vai além do sofrimento físico — ele permeia gerações e deixa cicatrizes que nunca se fecham completamente. A escolha de encerrar a narrativa com Fernanda Montenegro em uma atuação silenciosa, mas arrebatadora, reafirma a mensagem central da obra: a memória e a resistência são armas poderosas contra o esquecimento.

    Em última análise, “Ainda Estou Aqui” é um filme que vai além de sua função como uma biografia ou um relato histórico. Ele se apresenta como um retrato pungente de um país que ainda luta para superar as sombras do seu passado. Walter Salles, com sua direção delicada e precisa, oferece ao público uma experiência cinematográfica visceral e emocionalmente envolvente, onde a dor pessoal se entrelaça com a reflexão política.

    Foto 4
    Ainda Estou Aqui I Sony Pictures Entertainment


    À medida que a temporada de premiações se desenrola, “Ainda Estou Aqui” se posiciona como um forte candidato ao Oscar de Melhor Filme Internacional, e, quem sabe, poderá se consolidar como um marco no cinema brasileiro, tal como “Central do Brasil” foi, em 1998.

    Mas, independentemente de prêmios, a obra já é uma conquista significativa, ao oferecer um espaço para a reflexão sobre a importância da memória e da resistência em tempos de repressão.

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  • CRÍTICA | Anora atualiza Cinderela e nos derruba no processo

    CRÍTICA | Anora atualiza Cinderela e nos derruba no processo

    Vencedor da palma de ouro no Festival de Cannes, Anora mistura comédia e drama para fazer um retrato honesto do mundo atual

    Escrito pelos Irmãos Grimm, o conto da “Gata Borralheira”, ou “Cinderela” como é mais popularmente conhecido, apresenta a seguinte frase no momento que Cinderela dança com o príncipe: “Tanto tempo vivendo em meio às cinzas, agora ela estava vivendo em esplendor e felicidade”.

    Dirigido por Sean Baker, Anora pode ser considerado uma atualização desta história secular. Na produção, a princesa é uma gentil e carismática stripper chamada Ani, Mikey Madison, que se casa impulsivamente com um jovem oligarca russo chamado Ivan, Mark Eidelshtein, tendo a oportunidade de finalmente alcançar uma vida de luxo e glamour que sempre quis.

    Inicialmente se assemelhando a outras produções como Podres de Ricos (2018) e mais especificamente Uma Linda Mulher (1990), Anora se mostra bem maior do que ambos estas produções por conta de uma junção de fatores, que inclusive fizeram o filme vencer a palma de ouro do festival de Cannes 2024.

    O primeiro fator é elenco. Mikey Madison é a melhor escolha possível para o papel de Anora, uma mulher leve, engraçada e ao mesmo tempo extremamente decidida e confiante. Ao longo de duas horas presenciamos todo um espectro de emoções que variam desde a alegria até às lágrimas. É um papel que não tem medo de demonstrar suas inúmeras qualidades, do mesmo modo que suas falhas. Junto com sua protagonista, um elenco secundário compõem esta farsa, principalmente no segundo ato do filme quando o filme deixa de ser uma comédia romântica e se torna um filme de absurdos que abraça o caos de uma maneira que poucos filmes apresentam coragem.

    O segundo fator é o roteiro e a direção de Sean Baker. O que poderia ser um romance que seria esquecido após um tempo, é na verdade um misto de comédia, absurdos e drama. Por bem ou por mal, Baker pula corda com isto. No primeiro momento rimos da situação, em seguida, após a catarse, refletimos sobre o porque rimos daquela situação, algo constante em toda a produção.

    O terceiro e principal fator é a veracidade de seu roteiro. Enquanto comédias românticas como Uma Linda Mulher (1990) constroem um universo fantástico que testa a crença do espectador, em Anora nós sentimos que é real, sentimos empatia com Ani, queremos que ela alcance seu sonho, não o de amor pois em nenhum momento acreditamos que ela realmente ama Ivan, especificamente porque o personagem é construído de maneira tão imatura que nunca teria futuro com alguém complexo quanto Ani, mas o sonho de ser algo mais dentro da vida, algo que todos nós sonhamos alguma vez na vida.

    Anora

    Pôster Oficial de “Anora”- Divulgação da Focus Pictures

    A trilha sonora composta de músicas como All The Things That She Said de t.A.T.u, a cinematografia que constrói um universo fantástico e lúdico para Ani, que fica cada vez mais real na medida que o filme avança, piadas que variam do sorriso de canto de boca até chorar de rir, trazendo uma sensação de conforto para o espectador, para ao final quebrar todo este sonho anteriormente apresentado.

    A realidade não é um conto de fadas, isto que Baker quer nos lembrar com um último ato que nos deixa sem resposta. Após uma jornada diretamente tirada de um filme dos anos 80, somos lembrados de como ao final do dia, pessoas cometem erros e não arcam com eles, de como somos obrigados a certos papéis por conta de nossas escolhas, de como é difícil encontrar apoio em um mundo cada vez mais frio, de como às vezes a gente só precisa de um abraço.

    Anora é um filme corajoso, fugindo de clichês românticos ultrapassados, trazendo para a realidade e tomando decisões ousadas a cada momento. Focando todo o primeiro ato no relacionamento de Anora e Ivan, para o homem desaparecer pela totalidade do segundo ato, deixando Ani e o espectador questionando esta ausência, enquanto a realidade idílica construída anteriormente, é derrubada sem piedade por meio de um absurdo atrás do outro, demonstrando que no final, por mais que Anora e o próprio espectador desejem muito, na grande maioria das vezes, a Cinderela não alcança seu final feliz.

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