Arquivos: Reviews

  • CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | The Outrun lida com a dificuldade em se tratar vícios

    CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | The Outrun lida com a dificuldade em se tratar vícios

    Com Saoirse Ronan em seu melhor papel até agora, The Outrun conta a história de uma jovem e seu vício em álcool

    Clarissa Pinkola Estés conta no capítulo 9 de seu livro: “Mulheres que correm com Lobos”, a lenda das mulheres foca, nele, é discutido um regresso necessário que a mulher precisa ter para com sua pele e principalmente com sua alma, tendo que buscar um lugar de repouso ao longo de sua vida.

    Em The Outrun, a diretora Nora Fingscheidt, inicia a produção fazendo um paralelo entre esta lenda e sua protagonista Rona, uma jovem de 29 anos, que após 10 anos em Londres, retorna para sua casa nas ilhas Órcades, buscando recuperação após chegar ao fundo do poço por conta de seu vício em álcool.

    Solitária na ilha, lidando com o pai doente, a mãe religiosa, e ninguém de sua idade, Rona reflete sobre os acontecimentos que a levaram até lá. De forma não cronológica, acompanhamos diversos momentos de sua vida, seja sua infância vendo os pais brigarem, seu relacionamento amoroso em Londres que foi arruinado por conta de seu alcoolismo, e principalmente sua busca por melhoras.

    the outrun

    Saoirse Ronan em cena de “The Outrun”- Foto divulgada pelo Festival do Rio

    The Outrun é um filme lento. Por meio de uma voz off constante, temos conhecimento dos pensamentos internos de Rona, algo que fica cansativo após um tempo. Saoirse Ronan está em todas as cenas da produção e transmite uma emoção diferente em cada uma, mesmo com um sorriso, enxergamos uma mulher que busca se libertar desta pele que a prende e simplesmente ser livre, porém, é impedida pelo seu próprio remorso.

    Em 2017, Saoirse Ronan estrelou o filme Lady Bird de Greta Gerwig, por mais curioso que possa parecer, eu enxergo The Outrun como uma sequência extraoficial, na medida que ambos os filmes lidam com amadurecimento e são filmes poéticos sobre mulheres que buscam a liberdade.

    A maior discussão dentro de The Outrun, algo que comentei após o fim da sessão com duas mulheres que conheci, foi a veracidade e o cuidado com que o vício em álcool é abordado dentro da produção, apesar do contexto, o filme traz esperança, ao final, Rona não vira uma foca, porém, de certo modo consegue o domínio sobre a natureza, algo que ela sempre diz que conseguia fazer.

    Rona entra em paz consigo mesma, os sentimentos que ela acreditava que somente o álcool poderia lhe dar, são encontrados em outros lugares, seja auxiliado por um morador da ilha, sóbrio à 12 anos e que apresenta grande empatia com a personagem, ou o apoio materno após ambas terem batido de frente diversas vezes ao longo do filme.

    Por meio de poesia, alegorias e um final esperançoso, The Outrun traz o conforto que não importa quanto tempo passe, sempre é possível se tornar alguém melhor e vencer as desavenças que o mundo nos joga diariamente.

    Leia também:

  • CRÍTICA | A CW sonhava em fazer algo do nível de Superman e Lois (3º Temporada)

    CRÍTICA | A CW sonhava em fazer algo do nível de Superman e Lois (3º Temporada)

    Superman e Lois entrega uma temporada madura sobre um tema difícil que poderia ter sido trabalhado de modo superficial, mas recebeu o drama necessário para se destacar no gênero de super heróis.

    Depois de já ter vencido um irmão de Krypton e enfrentado o Mundo Bizarro trazido pela Parasita, o que poderia ser uma luta maior do que essas para Clark Kent? A descoberta de sua esposa estar com câncer e de que o grande vilão da temporada, mesmo cometendo atrocidades, apenas está buscando a cura para essa doença.

    Partindo disso, a temporada avança com o assunto de um jeito totalmente melodramático, deixando de lado a pegada mais super heroica, com vilões da semana, que vale dizer, esse seriado já não tinha muito disso, mas que por 11 episódios fica inteiramente focada nesse problema sem se perder, fazendo a trama do inimigo Bruno Manhenheim ganhar cada vez mais foco e interesse com o decorrer da temporada, já que no inicio aparentava ser apenas mais um na vasta coleção de antagonistas esquecíveis. Com isso, é um vilão que ganha força não por ter poderes, mas por mexer com máfia, com dinheiro, onde o Superman não vai poder agir muito com a capa e sim com seu lado jornalístico. Ainda que não seja tão aproveitado como poderia, é bem legal jogarem para um caminho tão diferenciado assim.

    Superman e Lois

    Superman e Lois | Hbo Max


    Gosto bastante de como todas as tramas parecerem convergir mais, seja por geral saber a identidade do Clark ou pelas ações de Bruno alcançarem Smallville, ainda que algumas coisas mais fúteis como o novo par romântico do Kyle ou a discussão interminável entre Sarah e Jordan existam, nunca acho que atrapalham ou incomodem o suficiente para tirar a graça de ver a série. Basicamente é a vida de cada um acontecendo ali e a produção busca não deixar ninguém de lado. Agora ver todo o lado do John Henry e a Natalie se focarem para com o que Bruno fez, torna mais interessante e viável suas presenças.

    A única pena que sinto é por alguns temas ficarem apenas para um episódio, seja a raiva de John a ponto de quase virar um assassino ou do Jordan querer a atenção de ser herói. São temáticas tão humanas, que poderiam levar a um limite, a serem mais bem trabalhadas, e acabam não passando muito daquilo que foi visto, por vezes soando aleatório. Ainda que não tenha sido e isso é um ponto a se destacar, a temporada como um todo trabalha por episódio certas coisinhas tão simples, mas que vão ganhando um entorno forte no futuro e faz completo sentido ao final, porque já havia tido uma citação antes. Como por exemplo, a Sarah no final da temporada se sentindo vazia, o que preocupa seus pais e leva a falar sobre um tema pesado. A construção para isso foi vindo bem fluida durante a temporada, de um jeito que ao encostar no limite levou a esta reação.

    Agora, nada chega aos pés do modo como Superman e Lois trabalhou o câncer, o medo de perder alguém e o processo para lutar contra a doença. Absolutamente por episódio, todos os temas são abordados, indo do Clark entrar num grupo de apoio para falar como se sente para a Lois demonstrar os receios de perder sua feminilidade e o possível interesse do marido por ela. É tão dramático e tão bom, que o ponto alto da série se direciona para os episódios 2, 7 e 9. O 2 é quando revela o problema, o cuidado para esse momento, já indicando com o inicio focado no que Lois está sentindo, mas guardando pra si. O 7 é provavelmente o melhor, porque mostra toda a família sentindo a dor e o receio para com o que sua mãe tem, onde o novo ator do Jonathan (Michael Bishop) mostra que não só se encaixou no papel, mas praticamente fez valer a troca de atores. E o 9 é um maravilhoso foco na relação Lois e Clark, onde um certo vestido é abordado e o final desse capítulo trabalha com tanta sensibilidade o futuro do casal, que fica difícil não se emocionar.

    Sério, como foi bom ver não apenas o Superman com medo, enfrentando uma batalha que não é dele e ele não pode vencer com seus poderes, mas como foi maneiro ver um casal clássico dos quadrinhos ser aprofundado do modo que foi, a ponto de ser fácil a melhor versão do casal que já tivemos no audiovisual, com a química tão clara de um marido e sua esposa. Difícil pensar que na vida real Tyler Hoechlin e Bitsie Tulloch não são casados. E nessa temporada, ambos dão o seu melhor em atuação, não precisando de choros e reações exacerbadas para transmitir todos os pesares que uma doença provoca em uma família e num relacionamento.

    Superman e Lois

    Superman e Lois | Hbo Max


    O maior incômodo sentido vem próximo ao final, ao buscar introduzir o clássico antagonista Lex Luthor, a série apresenta flashbacks para deixar bem claro que tipo de homem ele é, muito mais ameaçador pela força e medo que causa, do que pelo seu modo egocêntrico pela inteligência que normalmente tem nas adaptações, e mesmo que se trate de uma série de super heróis, principalmente olhando em retrospecto uma temporada que se colocou mais ao chão para trabalhar bem os seus temas, acaba destoando demais, de modo quase vergonhoso, ver o homem ir andando da prisão até a casa dos Kent apenas para mostrar o quão assombroso ele é, além da forte presença de uma trilha de rock para engrossar a ideia. A sensação final foi de que dava pra passar a mesma sensação sem ficar tão galhofa.


    Todavia, pelo menos e felizmente, o final da temporada de Superman e Lois bruscamente se joga para um caminho, conectando determinadas tramas, deixando diversos personagens resolvidos, para todos se prepararem pelo grande acontecimento que aguarda o mundo, pois um novo vilão está chegando graças às mãos de Lex e ainda que os efeitos visuais de uma produção televisiva não dêem conta do recado, o confronto final consegue ser bom o suficiente para deixar qualquer espectador na ponta da cadeira querendo mais.

    Veja também:

  • CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | As Mulheres da Sacada é comédia francesa no melhor estilo Almodóvar

    CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | As Mulheres da Sacada é comédia francesa no melhor estilo Almodóvar

    As Mulheres da Sacada usa a comédia absurda para criticar a visão masculina

    Dirigido por Noémie Merlant, Retrato de uma Jovem em Chamas (2019), Mulheres da Sacada começa com uma óbvia referência à Janela Indiscreta (1954), porém, na medida que avança e ocorrem cada vez maiores absurdos, o projeto se inspira em um diretor que recorria a muitos destes absurdos durante o inicio de sua carreira: Pedro Almodóvar.

    Se inspirando em filmes como Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988), a produção conta a história de 3 mulheres: A cam girl Ruby, Souhelia Yacoub, a atriz Elise, interpretada pela própria Noémie Merlant, e a escritora em crise Nicole, Sanda Codreanu. Três mulheres bem diferentes entre si, porém, que se completam dentro das loucuras do filme.

    É impossível uma crítica de As Mulheres da Sacada sem spoiler, na primeira cena uma dona de casa mata seu marido abusador com uma pá, dando o tom para toda a narrativa que se seguirá.

    O filme se desenrola após o trio ir beber no apartamento de um atraente vizinho, dosando tensão e comédia, a audiência percebe que algo está errado, seja pela fotografia escura em contraponto à luz que havia no inicio, ou ao sentimento de claustrofobia que é apresentado. Após o vizinho abusar sexualmente de Ruby, ela acidentalmente o mata, levando as três mulheres a darem um jeito no corpo.

    mulheres 2

    Ruby, Elise e Nicole em cena de “As Mulheres da Sacada”- Foto divulgada pelo Festival do Rio

    O interessante de As Mulheres da Sacada, é que se inicia como um drama, então vira comédia, então thriller e se encerra como uma junção dos três, com uma pitada de realismo fantástico na forma de fantasmas de abusadores mortos, o que parece muita coisa, se torna um ode à amizade feminina e principalmente ao corpo feminino, algo que o cinema, ambiente majoritariamente masculino, falhou em retratar diversas vezes.

    Noémie Merlant usa Mulheres da Sacada para discutir uma male gaze cinematográfica que persiste até hoje, apresentando diversas cenas de nudez ao longo da produção, porém, todas normalizadas e vistas de modo natural. Consultas à ginecologista, flerte com a terra da planta, masturbação com a alça da cadeira, tudo isto e mais está presente no filme de Merlant de modo poético e brilhantemente filmado.

    O design de produção faz um trabalho excelente ao compor suas três protagonistas, o estilo de cada uma é marcada em suas roupas. A fotografia varia de uma escuridão, até um brilho natural que elas apresentam e o filme é acompanhado, em sua totalidade, por uma trilha sonora que envolve um coral que muda de entonação ao longo do filme, trazendo diferentes sentimentos.

    Se inspirando em grandes diretores de tensão e comédia, como Alfred Hitchcock e Pedro Almodóvar, Mulheres da Sacada se torna um filme necessário no mundo de hoje, intercalando graça e comédia que leva uma sala inteira a rir em harmonia, com cenas bem mais tensas que nos fazem refletir sobre porque rimos anteriormente. Esta quebra ocasionada pelo roteiro e direção de Noémie Merlant que transforma a produção em algo único.

    Leia também:

  • CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | Virginia e Adelaide dá destaque a mulheres apagadas

    CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | Virginia e Adelaide dá destaque a mulheres apagadas

    Roteirizado por Jorge Furtado, Virginia e Adelaide conta a história de duas importantes psicanalistas brasileiras, pouco conhecidas pelo grande público.

    Provavelmente um dos curtas nacionais de maior sucesso é “Ilha das Flores”, dirigido por Jorge Furtado e com reconhecimento mundial, a produção se tornou um marco, sendo estudado e mostrado em diversas, escolas, faculdades, como um exemplo de curta metragem.

    Virginia e Adelaide relembra esta estética apresentada no curta, ao retratar a história da primeira psicanalista brasileira e sua professora, interpretadas por Gabriela Correa e Sophie Charlotte.

    O filme se inicia como uma ficção, vira um documentário ao retratar imagens de época e reais das personagens que as inspiraram: Virginia Bicudo e Adelaide Koch, e na medida que o filme avança, a estética muda diversas vezes, passando também por vídeo arte e experimental em determinados momentos.

    virginia

    Gabriela Correa e Sophie Charlotte em cena de “Virginia e Adelaide”- Divulgação Festival do Rio

    Virginia e Adelaide se torna algo único por conta do carisma de suas protagonistas e por dois carros chefes: o roteiro e a montagem. Jorge Furtado dirige o filme junto com Yasmin Thayná, esta dupla traz vida a um filme que poderia ser chato caso não trabalhassem tanto com a estética cinematográfica.

    O filme levou à gritos de “Viva o Cinema Brasileiro” em seu começo, choros de parte da audiência e aplausos merecidos ao final, não somente por ter executado um interessante filme nacional, mas, por dar voz à duas mulheres que a maioria esmagadora da população brasileira não conhece, apesar de serem tão importantes para a psicanálise como um todo.

    Na medida que acompanhamos o crescimento desta amizade de Virginia e Adelaide, o filme se torna cansativo em seu terceiro ato, apesar de ainda apresentar discussões que discute tanto o tempo gravado do Brasil anos 40, aonde se passa o filme, quanto o Brasil atual, que continua racista e preconceituoso da mesma forma.

    Leia também:

  • CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | A Hora do Orvalho junta drama e comédia em um filme conforto

    CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | A Hora do Orvalho junta drama e comédia em um filme conforto

    Dirigido por Marco Risi, A Hora do Orvalho apresenta uma reflexão sobre o tempo e o que aprendemos com ele.

    A Hora do Orvalho retrata a história de Carlo, um jovem que após ocasionar um acidente, deve fazer trabalho comunitário em uma casa de repouso para idosos, assim, convivendo com diversos personagens e aprendendo sobre humildade ao longo do processo.

    Apesar da premissa já ter sido vista anteriormente em diversas produções, o que torna A Hora do Orvalho especial, é a poesia trazida pelas suas cenas, unificando na mesma cena um sentimento de felicidade e ao mesmo tempo de melancolia, seja um paciente com alzheimer dançando feliz ao som de “Riderá” de Little Tony ou uma alegre guerra de bolas de neve com um triste fim.

    Na palestra inicial antes do filme, com presença do diretor Marco Risi e a atriz Lucia Rossi, o público soube que a ideia original do filme surgiu faz 20 anos, inicialmente, Marco Risi se identificava com os personagens mais jovens como Carlo, porém, atualmente se identifica mais com os personagens mais velhos como Dido, uma união de Marco com o seu próprio pai, construindo um dos personagens mais ricos de toda a produção.

    Cada um dos residentes da casa de repouso apresenta algo que o destaca, seja o coronel do exército que não se dá bem com o filho, as irmãs que não se separam, o sedutor, o romântico, entre outros. Porém, o ponto forte do filme é a relação de Carlo com Dido, um fotógrafo que sempre desejou ver leões. Dido atua como mentor do jovem, levando-o a criar uma empatia e o ensinando a lidar com a culpa que sente.

    A Hora do Orvalho

    Os residentes da casa de repouso comemoram o natal em “A Hora do Orvalho”- Foto divulgada pelo Festival do Rio

    O grande destaque de A Hora do Orvalho são as interações entre estes personagens, sempre de forma singela e extremamente poética, apesar de alguns pequenos furos no roteiro, ao final, o projeto é lindo, uma lembrança que me veio foi o filme “Os Rejeitados”, principalmente por ambos serem filmes do século passado e lidarem com pessoas amarguradas, geralmente invisíveis para grande parte do mundo, porém, que descobrem um próprio brilho.

    A mensagem que tiramos de A Hora do Orvalho, além de boas risadas e lágrimas, é que tudo passa, e principalmente: tudo muda. Relações, sentimentos, vontades, ambições, porém, apesar de tudo isso, no fundo mantemos quem nós somos desde o começo, precisando de um auxilio e de um abraço amigo para realmente alcançarmos nosso potencial, algo que acontece para a grande maioria dos personagens da produção.

    Leia também:

  • CRITICA | Sem a tensão do primeiro, O Poço 2 falha em conceitos básicos

    CRITICA | Sem a tensão do primeiro, O Poço 2 falha em conceitos básicos

    Sequência do sucesso da NETFLIX, O Poço 2 passa longe da tensão claustrofóbica de seu antecessor

    Lançado durante a pandemia de COVID 19, “O Poço” se tornou um dos maiores sucessos NETFLIX por conta de sua premissa original e seu clima de tensão, que leva à discussão sobre a crueza humana dentro de uma prisão vertical que limita os prisioneiros a lutarem pela coisa mais básica de todas: comida.

    Lançada em um outro contexto, sua sequência nos leva novamente à mesma prisão, aonde encontramos novos personagens que não chegam aos pés do carisma de Trimagasi, personagem que retorna no filme, porém, sem a mesma potência que apresentava.

    Sem perder tempo explicando as regras já apresentadas em seu antecessor, algo que faz falta em diversos momentos, a sequência discute a força e o perigo do fanatismo religioso e deixa a discussão sobre capitalismo para o segundo plano.

    Dentro da prisão, somos introduzidos à Perempuán, uma mulher que entra na prisão para refletir sobre um ato acidental que causou, interpretada por Milena Smit, e Zamiatin, um enorme homem que não apresenta tanta força quanto deveria ter, Hovic Keuchkerian, além de outros personagens que aparecem no primeiro filme, porém, após 5 anos de seu lançamento, acabam sendo esquecidos por grande parte do público e enxergados como novos.

    O poço 2

    Perempuán e Zamiatin em cena de “O Poço 2”- Divulgado pela Netflix

    O trailer de “O Poço 2” apresentava uma forte atmosfera de tensão, porém, o filme em si falha justamente em seu ritmo, com diversos furos de roteiro que contradizem mandamentos estabelecidos como canônicos durante o primeiro filme, a produção tenta ocasionar reviravoltas e surpresas ao público por meio de acontecimentos chocantes, mas, falha em sua execução. Sua cena final é o maior exemplo disso, aonde aprendemos que cronologicamente o filme se passa antes do primeiro, assim, abrindo margem para mais sequências que não chegarão à tensão do primeiro filme.

    Apesar do retorno de Galder Gaztelu-Urrutia na direção, a produção fracassa em regras básicas de narrativa, seja em personagens, construção de tensão ou de espaço, que não se apresenta tão claustrofóbico e isolador quanto o primeiro filme, assim, fazendo com que até mesmo seu antecessor, que já não é tão forte narrativamente, se torne ainda mais fraco.

    Leia também:

  • CRÍTICA | Coringa: Delírio a Dois é um bom filme, mas desafina em diversos quesitos

    CRÍTICA | Coringa: Delírio a Dois é um bom filme, mas desafina em diversos quesitos

    Delírios musicais e atuações de Pheonix e Gaga tentam salvar a continuação de Coringa de Todd Phillips.

    Coringa“, lançado em 2019, foi um marco nas produções baseadas em quadrinhos, centrando-se no icônico vilão do Batman. Com uma abordagem realista, o diretor Todd Phillips criou um estudo de personagem único e, ao mesmo tempo, uma excelente história de origem. O encerramento impecável do primeiro filme tornava uma sequência algo quase impensável. No entanto, chega agora aos cinemas “Coringa: Delírio a Dois”, uma ousada continuação que tenta, mas enfrenta dificuldades para desenvolver suas ideias e avançar seus personagens, apesar da fotografia impressionante, dos números musicais isolados e das atuações notáveis de Joaquin Phoenix e Lady Gaga.

    Todd Phillips retorna à direção e colabora no roteiro com Scott Silver, contando a história do período de prisão e julgamento de Arthur Fleck (Phoenix) após os crimes que mergulharam a cidade no caos e transformaram seu alter ego, o Coringa, em uma figura de reverência. Nesse período, ele conhece Lee (Gaga), uma paciente que está presa com Fleck, e juntos compartilham momentos de insanidade musical. As tensões aumentam à medida que o veredito final se aproxima, e surgem dúvidas sobre o relacionamento do casal após algumas verdades serem reveladas.

    Os atores do primeiro filme retornam em boa forma, e as novas adições ao elenco também brilham. Joaquin Phoenix entrega mais uma atuação intensa, agora com uma pegada mais física, incluindo números musicais onde a dança se destaca. Lady Gaga, como Lee (uma versão da Harley Quinn), aproveita ao máximo o material, tanto nas cenas musicais quanto nos momentos de ternura com Phoenix. No entanto, sua personagem carece de profundidade suficiente para causar um impacto mais forte. Em contrapartida, os breves retornos de Zazie Beetz e Leigh Gill são bem-vindos e enriquecem as cenas que refletem os atos sombrios do protagonista.

    CRÍTICA | Coringa: Delírio a Dois não coloca um sorriso feliz na cara

    Coringa: Delírio a Dois | Warner Bros.

    O maior problema do filme reside no roteiro. O desenvolvimento dos personagens é superficial. Em alguns momentos, pondera sobre a inocência de Fleck, enquanto em outros glorifica o Coringa e seus atos hediondos, criando frustração com a indecisão narrativa. Essa oscilação também afeta a Arlequina de Lady Gaga, que pouco se assemelha à icônica Harley Quinn, criada por Bruce Timm e Paul Dini na clássica “Batman: A Série Animada”.

    Por outro lado, o trabalho de fotografia de Lawrence Sher, que retorna à equipe, é excepcional, utilizando a iluminação para destacar o amor entre os insanos em meio ao caos de Arkham. Os números musicais são visualmente cativantes, remetendo a produções clássicas com cenários pintados, como “O Mágico de Oz”. Essas cenas estão entre os momentos mais divertidos do filme, enriquecidas por uma excelente seleção de músicas clássicas, como “That’s Entertainment” e “When You’re Smiling”. Contudo, a trilha sonora decepciona, reciclando muitas, se não todas, as composições anteriores da vencedora do Oscar, Hildur Guðnadóttir.

    “Coringa: Delírio a Dois” tem ideias ousadas ao usar o musical para contar sua história, mas falha em desenvolver seus personagens de maneira satisfatória. Embora os números musicais ofereçam deleites visuais, nem as atuações brilhantes de Joaquin Phoenix e Lady Gaga conseguem apagar os erros de um filme que prometeu muito, mas entregou pouco.

  • CRÍTICA | Cidade de Deus: A Luta Não Para é um prato cheio para os críticos

    CRÍTICA | Cidade de Deus: A Luta Não Para é um prato cheio para os críticos

    Nova série da HBO, Cidade de Deus: A Luta Não Para (2024 – ) segue causando polêmica ao final de sua 1ª temporada


    Sempre que a continuação de alguma obra cinematográfica aclamada é anunciada, o público automaticamente se divide em duas correntes: entusiastas que, por serem fãs da obra original, aguardam ansiosamente a expansão de tal universo; e conservadores, que de alguma forma entendem que a nova produção poderá estragar ou até mesmo apagar seu tão querido filme de estimação. No caso da série “Cidade de Deus: A Luta Não Para”, não foi diferente.

    A série, nova produção da HBO, que lançou o último de seus 6 episódios neste domingo (29), traz de volta os mesmos personagens do grande clássico da Retomada no cinema brasileiro, “Cidade de Deus” (2022), do diretor Fernando Meirelles. O filme é adaptação do livro homônimo, escrito por Paulo Lins e lançado em 1997 e tornou-se um marco dentro do audiovisual brasileiro, alcançando grande sucesso de público e crítica e acumulando prêmios, bilheterias e reproduções mundo afora, se consolidando como um dos filmes brasileiros mais conhecidos internacionalmente.

    "Cidade de Deus: A Luta Não Para" | HBO

    “Cidade de Deus: A Luta Não Para” | HBO

    Tecnicamente falando, são diversos os aspectos que fizeram o filme atingir o status de obra-prima, como a montagem brilhante de Daniel Rezende, a utilização de atores não-profissionais no elenco, em sua maioria residentes da comunidade retratada, e a polêmica porém eficaz preparação de elenco de Fátima Toledo. Temos ainda a premiada parceria entre a lindíssima direção de fotografia de César Charlone, costurada pela sempre sensível e fortemente presente direção geral de Fernando Meirelles, que também alcançou fama internacional após o lançamento do filme e dirigiu alguns longas estrangeiros posteriormente.

    Mas, técnicas à parte, o verdadeiro sucesso de “Cidade de Deus” só pode ser explicado em sua plenitude a partir de pessoas que viveram o frenesi que se seguiu após o seu lançamento nos cinemas. A narrativa frenética, as falas inundadas de gírias cariocas, as praias, as drogas, a violência extremada. O filme se tornou um clássico instantâneo, suas falas integram o imaginário popular até hoje e as reprises preenchem avidamente as grades da TV à cabo há 20 anos.

    Parte deste sonoro sucesso entre o público se dá pela narrativa quase que exclusivamente focada na população favelada e de outras classes menos favorecidas da sociedade, construída a partir de uma adaptação fiel, no entanto fortemente gráfica, de seu livro homônimo. E esta é sem dúvida uma dualidade chave para entender a importância desta produção para o paradigma da linguagem no cinema brasileiro.

    Isto porque, apesar do protagonismo dado à classe mais pobre representada no filme, a produção foi acusada de explorar a imagens desses corpos, em sua maioria negros, pobres e favelados, reforçando o estereótipo da população favelada enquanto perigosa e violenta e atrelando a história da Cidade de Deus (e do Rio de Janeiro) com uma inevitável corrupção de seus indivíduos e uma irrecuperável zona de guerra.

    O sucesso financeiro que atingiu parte dos diretores e produtores do longa, mas excluiu grande parte do elenco amador morador da comunidade, também evidencia esta incoerência da produção.

    Tal dualidade é representada metalinguísticamente pelo dilema enfrentado pelo personagem Buscapé (Alexandre Rodrigues) ao final do filme, com a decisão entre publicar a foto da corrupção da policial ou do traficante Zé Pequeno (Leandro Firmino) assassinado e ensanguentado.

    Curioso justamente porque este é dos aspectos que demonstram a intenção do filme em retratar aqueles personagens de uma maneira diferente do que se via nos jornais, filmes e outras produções audiovisuais do início do século XXI. Apesar de acabar caindo justamente nos mesmos estereótipos que buscava desconstruir ao retratar a guerra entre as facções de maneira gráfica e visceral. 

    Este também é um dos fatores que fez este produto atingir tantos públicos nacionais e internacionais, com as cenas de violência dando um forte status comercial para a produção, apesar de sua aclamada posição entre a crítica especializada mundo afora.

    "Cidade de Deus: A Luta Não Para" | HBO

    “Cidade de Deus: A Luta Não Para” | HBO

    Neste aspecto, a série ressurge não para superar o filme original em seus aspectos técnicos brilhantes, mas buscando atualizar o debate em torno daquela população marginalizada e sobre o histórico das duas cidades envolvidas no enredo, a de Deus e a do Rio de Janeiro. E nesse aspecto, a nova produção da HBO acertou em cheio.

    “Cidade de Deus: A Luta Não Para” se passa novamente na favela Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio de Janeiro, agora 20 anos depois dos acontecimentos do filme (o que seria início dos anos 2000 na narrativa, justamente a mesma época do lançamento do filme original). Muito respeitoso a linguagem do longa de 2002, a série não tem medo de explorar os mesmos personagens que deixamos para trás, pelo menos os que sobreviveram à guerra entre Zé Pequeno e Mané Galinha (Seu Jorge). 

    Temos novamente a narração de Buscapé. Agora prezando pelo seu nome profissional, Wilson, o personagem desenvolveu sua carreira como fotógrafo jornalístico, mas é acusado por seus vizinhos da cidade de deus de explorar a violência e a imagem dos favelados para vender suas fotografias para os jornais hegemônicos da zona sul. 

    O protagonista, que era símbolo de ingenuidade e da pureza adolescente no filme de 2002, agora funciona como uma metalinguagem às críticas recebidas pelo longa, possuindo a consciência da exploração que exerce sobre a imagem dos corpos retratados, mas engajado de mãos atadas ao sistema que lhe deu a oportunidade de melhorar sua condição financeira. 

    Buscapé buscará, ao longo da trama, recolocar sua posição nesta indústria da guerra que move a cidade, utilizando de seu lugar de prestígio para fazer mais do que era possível 20 anos antes. E é exatamente isto que a série irá fazer como um todo, utilizar a visibilidade do filme para atualizar debates e corrigir certos posicionamentos, de maneira que não seria possível 20 anos antes.

    image 6

    Muitos outros personagens presentes no filme (e seus atores originais) retornam para esta continuação, cada um sendo responsável por atualizar um aspecto do debate central que move a série: a vida nas comunidades cariocas e sua relação intrínseca com a violência e as disputas de poder do crime organizado  aparelhado no Estado do Rio de Janeiro. 

    É o caso de Braddock (Thiago Martins), Berenice (Roberta Rodrigues), Barbantinho (Edson Oliveira), e Cinthia (Sabrina Rosa), personagens importantes e sobreviventes dos eventos dos anos 80, retornando agora com um novo contexto e importância narrativa. É a partir deles que a série contará os desdobramentos das disputas territoriais do poder paralelo nas favelas cariocas, adicionando importantes elementos da história da cidade dos últimos 30 anos e criando uma alegoria bem direta sobre a presença do tráfico e milícia dentro do Estado.

    Outros novos personagens também surgem nesta mesma pegada, explorando e aprofundando de maneira acertada a relação do universo da série com seu histórico narrativo. Personagens como Delano (Dhonata Augusto) e MC Leka (Luellem de Castro) são ótimos exemplos do aprofundamento que é dado na série sobre a relação entre a população da favela e a disputa de poder entre o crime organizado, a polícia e o Estado.

    O roteiro da série, não mais adaptado do livro, agora faz este movimento quase que durante toda sua duração, resgatando elementos narrativos como a pobreza, a falta de educação e a falta de acesso à cidade e atualizando para perspectivas atuais, buscando se distanciar da estereotipagem comumente associada às essas populações e traçar um panorama mais profundo do grave e histórico problema de administração pública da cidade maravilhosa, totalmente aparelhada e governada pelo crime organizado.

    É bem verdade que a série também se utiliza da violência para construir sua narrativa, mas aqui vemos esta retratação não como uma ferramenta mercadológica, mas como um argumento de denúncia para a reflexão a respeito da trágica história do Rio de Janeiro. A cidade carioca, que já foi capital do país, vive uma guerra civil de disputas territoriais entre tráfico, milícias e Estado há, pelo menos, 30 anos. 

    Seria muita inocência acreditar que tal estado permanente de guerra acontece somente por que os traficantes e moradores das favelas são “maus”. Assim como foi inocência (na verdade, muita má fé) de parte da mídia hegemônica apoiar a crescente das milícias (ou policiais mineiras, como eram conhecidas) no início dos anos 2000. O problema da violência urbana carioca tem início muitos anos antes das facções tomarem conta das favelas e anda de mãos dadas com integrantes do crime organizado que dominam o Estado. É justamente sobre isso que “Cidade de Deus” quer falar, tanto o livro, quanto o filme e, agora, a série.

    Neste aspecto, a série triunfa em atualizar o debate de maneira direta e, muitas vezes, até poética. Se o longa de 2002 busca retratar, horas de maneira leve e jocosa, outras horas de maneira visceral e violenta, os efeitos da marginalização dos corpos promovido pelo Estado, agora, a série dá enfoque nos aparelhamentos que cercam e financiam as disputas de poder ocorridas nas favelas da cidade. 

    A violência, a pobreza, a miséria e a falta de acesso retornam como temas. Mas também, o tráfico de armas, silenciamento de testemunhas, conluio e improbidade jurídica são alguns dos temas que surgem como motivadores e articuladores desta situação complexa de uma das maiores cidades do Brasil. Neste aspecto, a série, assim como o filme, acerta em cheio ao deixar claro quem paga o pato de maneira brutal pelo descaso dos poderosos com a cidade: a população, em sua maioria negra, pobre e, principalmente, favelada.

    É bem verdade que esta atualização no debate certamente incidirá na parte mais conservadora dos espectadores, que amavam o filme justamente pelos motivos errados, fetichizando a violência e glorificando a política de Estado e a polícia que mata pobre favelado todos os dias. E a série parece saber deste golpe que dará no debate para com esta parte do público, construindo uma narrativa que aponta para esse grafismo violento até o final do episódio 5, mas passando por uma certa reviravolta de perspectiva para o encerramento da temporada.

    A série é tema de polêmica desde seu anúncio e continuará sendo agora até o lançamento da segunda temporada. Não preciso nem dizer que os conservadores, que agora se tornarão detratores da série, automaticamente se tornarão especialistas na linguagem audiovisual e utilizarão da brilhante excelência técnica do filme para apagar os triunfos importantes trazidos pela produção da série.

    É bem verdade que aquele primor técnico será difícil de ser alcançado e não retorna por completo aqui (especialmente a montagem, talvez uma das melhores de toda a história do cinema). Mas, além de possuir ótima execução técnica, a série acerta justamente ao optar por um outro caminho, nem ao menos se propondo a repetir as mesmas estratégias de produção do filme original, mas respeitando e referenciando a produção de 2002 ao longo de toda a temporada.

    image 7

    “Cidade de Deus: A Luta Não Para” | HBO

    É essa decisão acertada que ditará o tom e ritmo de “Cidade de Deus: A Luta Não Para”, que não se propõe em superar o filme original, mas sim aproveitar sua visibilidade nacional e internacional para atualizar, corrigir e propor novos debates sobre a cidade e as comunidades cariocas.

    Assistir essas produções, mesmo com temáticas e cenas fortes e diretas, deveria ser uma recomendação básica não somente para todos os amantes brasileiros de cinema, mas para todos os cidadãos que buscam entender um pouco mais da história e influência do crime organizado no cotidiano carioca e na política de Estado aplicada por aqui.

    Enquanto carioca e morador do subúrbio, sempre me senti especialmente sensibilizado pelo filme e acredito que a série seja uma atualização importante acerca de seu debate. O episódio final aponta para acontecimentos históricos trágicos e importantes do Rio de Janeiro e sigo ansioso para acompanhar a forma como serão abordados tais episódios.

    E quanto às reclamações dos conservadores desde o anúncio da série e agora com o desenrolar de seu enredo, só reforça a  urgência em abordar de maneira frontal as reflexões trazidas na narrativa. O audiovisual é uma ferramenta fundamental na construção do imaginário político popular, e é preciso urgentemente disputar o histórico da cidade que é berço do samba, mas, também, das milícias, justamente para que seja possível vislumbrar alternativas para garantir o seu futuro. 

    Leia também:

  • CRÍTICA | “Superman – O Filme” (1978) envelheceu como um dos bons filmes clássicos

    CRÍTICA | “Superman – O Filme” (1978) envelheceu como um dos bons filmes clássicos

    45 anos depois, “Superman, o Filme” (1978) retorna às telonas para relembrar porque é o clássico absoluto do gênero.

    Escrever sobre “Superman, o Filme” (1978) em 2024 pode ser uma tarefa difícil de se executar sem cair num certo anacronismo. Longa pioneiro no sucesso massivo dos super-heróis no cinema, o clássico filme do diretor Richard Donner, primeiro com o emblemático Christopher Reeve encarnando o Homem de aço, retorna às telonas em edição especial remasterizada nesta quinta (26). 

    Com um orçamento de US$55 milhões de dólares (cerca de US$255 milhões atualmente com correção), e faturamento de cerca de US$300 milhões (US$1,4 bilhão hoje), o longa foi grande sucesso de público e crítica à época de seu lançamento, sendo premiado com o Oscar de melhores efeitos especiais em 1979.

     Justamente por sua relevância histórica, este é um filme que já foi exaustivamente analisado por diversos críticos e pesquisadores da linguagem audiovisual ao redor do mundo. Por um lado, isso é excelente! Uma fonte de consulta infinita com opiniões e pontos de vista totalmente diversificados. Por outro lado, como contribuir com relevância sobre esse tema? 

    Acredito que a resposta dessa questão esteja, principalmente, na experiência subjetiva de cada um em relação ao filme. Não somente ao assisti-lo, mas também ao identificá-lo em suas diferentes e inúmeras reproduções, adaptações e citações ao longo desses 45 anos.

    No meu caso, lembro de assistir a icônica interpretação de Christopher Reeve pela primeira vez ainda na infância, através de uma sessão dessas de domingo da tv aberta. Dos detalhes do enredo em si lembrava pouco, mas tinha uma recordação vívida do meu pai assistindo ao meu lado e comentando o quanto foi marcante assistir no cinema o Super-homem de Reeve voando pelas cenas de maneira tão visualmente convincente.

    Desta vez, quase 20 anos depois, à convite do Festival do Rio em parceria com a Warner, pude ter a experiência de assistir este marco audiovisual da maneira como ele melhor pode ser aproveitado: na tela grande, com som dolby digital de alta qualidade.

    Isto porque, do ponto de vista cinematográfico, Superman é um clássico em todos os sentidos da palavra. Um suspiro final do que foram as produções norte-americanas da Hollywood clássica dos anos 50, adicionando a inovação técnica e estética típica da nova Hollywood dos anos 70. 

    Representante autêntico de uma época em que os longas-metragens ainda eram assistidos exclusivamente nos cinemas, este é um ótimo exemplo de produção que soube dialogar diretamente e de maneira popular com a experiência histórica da sala de cinema e toda a linguagem envolvida neste ato. Sua estética única e inovações técnicas, aliados com uma narrativa direta e leve, certamente marcaram os espectadores que assistiram na época os personagens Superman e Lois Lane (Margot Kidder) voando pela primeira vez pelos céus de Metrópolis.

    image 1

    “Superman, o Filme” (1978) | Warner

    Logo na introdução, ao apagar das luzes da sala, com as fontes azuis surgindo magicamente sobre um fundo estrelado, embalado pela trilha sonora épica, já é possível entender que estamos diante de um filme com uma identidade forte e única.

    Uma mistura delicada entre toda a grandeza de sua produção, de sua história e dos símbolos que ali estão contidos. Mistura essa que iria ditar a tonalidade e método adaptativo da maioria dos filmes de super-heróis que viriam a seguí-lo. Não necessariamente reproduzindo seus mesmos símbolos, mas imprimindo a identidade e ideologia de seus personagens através do melhor que a técnica cinematográfica poderia oferecer em cada época.

    Impossível também não citar a trilha sonora única de John Williams. Sempre se provando uma força da natureza, são as músicas de Williams que fazem o filme transitar entre o épico e o cotidiano; entre o mágico, o fantástico e o sensível. Para variar, o responsável pela trilha sonora de filmes históricos como Star Wars e Indiana Jones, também lança aqui um tema icônico, que embala toda a narrativa do filme (além de continuar sendo reconhecido até os dias de hoje, mesmo por pessoas que eventualmente não tenham assistido ao filme de Richard Donne).

    É curioso enxergar hoje, 45 anos após seu lançamento, como os filmes pioneiros de seus gêneros trabalham livremente em cima dos estereótipos mais marcantes de seus personagens, sem medo de abordar de maneira frontal, e até mesmo explícita, os principais eventos narrativos que compõem estes personagens tão conhecidos. É claro que isto ocorre porque este longa precede temporalmente a grande maioria dos filmes de seu gênero, sendo justamente ele o criador destas convenções que viram a ser reproduzidas posteriormente. 

    São nestes filmes que vemos esta narrativa de super, tão exaustivamente explorada na atualidade, em sua versão menos contaminada por fórmulas mercadológicas e mais fiel ao que o personagem representava na época (uma vez que, em 1978, o personagem “Superman” já tinha mais de 40 anos de existência).

    Mas afinal, o que diabos o personagem representava na época? E mais, o que será que ele representa hoje em dia?

    Mergulhando na linguagem em si, aqui vemos talvez a versão mais poderosa do Homem de aço, capaz de feitos absolutamente grandiosos. Ao mesmo tempo, seu lado humano, representado na persona de Clark, se mostra talvez a mais pura e ingênua de todas elas. É esta dualidade, brilhantemente performada por Reeve, que dita  a mensagem principal que o filme carrega.

    Ao final dos anos 70, o mundo vive uma arrastada extensão da Guerra Fria, com a disputa ideológica entre Estados Unidos e União Soviética se expandindo para as diferentes esferas da comunidade internacional. No cinema não foi diferente.

    Não vou me alongar muito aqui na análise política dos filmes norte-americanos  produzidos durante o período da Guerra Fria, mas a interpretação dos símbolos do filme “Superman, o Filme” que ignora o contexto histórico em que a produção esteve inserida é justamente aquela que tende ao anacronismo. 

    Já ao final da década de 30, quando os Estados Unidos ainda se recuperavam de grave crise econômica, o alter-ego de Clark Kent surge nos quadrinhos como uma salvação milagrosa para o imaginário cultural do povo, um sopro de esperança para as camadas mais populares da sociedade, onde os quadrinhos possuíam grande entrada devido ao seu baixo valor. 

    Já ao final da década de 70 (data de lançamento do filme de Donne), a posição econômica e política dos EUA na comunidade internacional havia mudado, assumindo protagonismo internacional e travando guerra ideológica com a URSS.

    Ainda assim, novamente um dos personagens mais identificados com a cultura norte-americana retorna ao foco da discussão popular, desta vez propagando o sonho americano (personificado em Superman) para o mundo inteiro através do cinema, oferecendo o seu modelo como triunfante frente ao outro polo ideológico e bélico presente no globo. Em alguns aspectos, esta interpretação do personagem fica muito evidente, como na cena em que o Homem de aço voa na tentativa de impedir que mísseis caíam no território norte-americano, preocupação presente no imaginário coletivo do período da Guerra Fria e diversas vezes retratado em filmes e séries norte-americanos.

    Superman surge aqui (assim como a trilha sonora de John Williams) como uma força da natureza que se impõe moralmente diante da corrupção dos homens, estabelecendo a ordem e respeitando as regras (a menos que estas regras impeçam que ele faça “o que é certo”). 

    A entrevista com Lois Lane no terraço de seu apartamento expõe a tentativa de consolidação de Superman como mártir moral do povo (e, possivelmente, do mundo inteiro) de acordo com a moralidade cristã protestante anglófona norte-americana: ao se apresentar, Superman informa que não conta mentiras e que sempre faz o que é certo. Depois, ao ser questionado por Lois o motivo do kryptoniano estar na Terra, Kal-El prontamente responde I’m here to fight for truth, justice and the american way! (“Estou aqui para lutar pela verdade, pela liberdade e pelos ideais norte-americanos”). Curioso pensar que Jor-El tenha enviado seu filho kryptoniano à Terra justamente para defender os ideais dos Estados Unidos, não é? 

    A persona humana do personagem também não fica para trás na representação moral idealizada do sonho americano. Clark, apesar dos grandes poderes, trabalha como jornalista no “Planeta Diário”. Após uma infância pacata familiar na área rural norte-americana, ele abdica de qualquer condição material que seus poderes poderiam lhe gerar para que pudesse viver de maneira simples. Sua realização principal não está em riquezas, mas sim nas relações que constrói ao longo da vida. Sua vida é dedicada à vocação de benfeitor da humanidade, liderando os humanos para o progresso sem jamais interferir no curso natural da História.

    De toda forma, é claro que esta interpretação do personagem também se consolidou ao longo dos anos que sucederam o lançamento do longa e os desdobramentos históricos do século XX. Inclusive, até mesmo produções contemporâneas estadunidenses discutem esta visão, apresentando personagens como Homelander (Antony Starr) da popular série The Boys (2019-2024).

    Outras cenas curiosas representam esta adaptação do Super-homem enquanto mártir moral do ocidente, como quando o Homem de aço aconselha à Lois que pare de fumar para evitar câncer de pulmão ou quando os dois personagens flertam abertamente falando da cor das roupas íntimas de Lois, enxergadas por Clark através de sua visão de raio-x após uma cena de flerte entre os personagens típica de melodramas da época. 

    image 3

    “Superman, o Filme” (1978) | Warner

    São detalhes narrativos que falam muito do pensamento corrente da época, criando um personagem que jamais passará dos limites aceitáveis pela sociedade, mesmo possuindo todos os poderes até para subjugar e dominar. São os norte-americanos imprimindo, através de uma estética arrojada e técnicas pioneiras, uma amostra de sua bondade (que é, obviamente, proporcional ao tamanho de seu poder de fogo).

    O homem de aço aqui realiza seus maiores feitos sem desferir nem um soco, realizando todos os seus atos mais marcantes de heroísmo dos quadrinhos clássicos. Kal-El salva o gatinho de cima da árvore, evita que um avião em pane caia em queda livre, ao mesmo tempo ele é capaz de desviar o curso de um míssil. O foco aqui não está em cenas de ação e lutas coreografadas, mas sim nas possibilidades inimagináveis que tais poderes proporcionam à um homem e nas implicações filosóficas que sua  própria existência  garantiriam. Prepare-se para um final muito surpreendente e polêmico, aliás, onde o Homem de aço será capaz de feitos realmente impressionantes!

    Diante de todo este contexto, reforço que o cinema é o lugar perfeito para embarcar em tão brilhante execução. O filme realmente causa uma sensação fantástica e sua duração, que pode ser considerada longa para atual geração de espectadores, transcorre de maneira divertida e agradável. Algumas cenas são longas e contemplativas, criando uma sinergia entre o espectador e as imagens reproduzidas em tela. Mesmo com uma tecnologia muito inferior à atual, a técnica aplicada nas cenas de voo de Superman triunfam em criar a verdadeira sensação de voar junto do personagem como muitos outros filmes tentaram posteriormente sem sucesso.

    Os efeitos visuais envelheceram de maneira muito honrosa ao seu material original, imprimindo um certo glamour atemporal à estética do filme, que dialoga bem com a já citada e intencional dualidade de seu protagonista e com a própria narrativa. 

    Lex Luthor (Gene Hackman), também aparece aqui de forma um pouco diferente do que os espectadores mais novos podem conhecê-lo. Acompanhado de um atrapalhado ajudante, o arqui-vilão surge aqui em uma versão bem humorada funcionando como um alívio cômico ao filme e reforçando a linguagem popular e leve da narrativa.

    Fica nítido que o filme foi trabalhado para ser não somente uma versão pioneira de Superman nas telonas, mas também a definitiva. Impossível de ser superada, com o personagem no ápice de seus poderes e sua representação ideológica, diante de uma lógica de produção norte-americana que vivia o auge de sua reformulação narrativa e consolidava de vez sua influência frente ao mercado cultural do mundo inteiro. Não à toa, todos os principais elementos técnicos dialogam de maneira sublime com a ideologia embutida nesta história, o que torna todos os elementos cinematográficos envolvidos na produção absolutamente marcantes.

    Tudo funciona como um reloginho neste longa, que imprime sua marca através de elementos proeminentes, como a encarnação histórica de Christopher Reeve, a narrativa objetiva e leve, os efeitos especiais inovadores e a trilha sonora icônica que nos conduz dos eventos mais épicos aos mais cotidianos. Assisti-lo no cinema é uma experiência aconchegante e mágica, que certamente remete seus espectadores ao clima do que seria a vivência de uma sala de cinema do final da década de 70 e emula toda a grandiosidade dos filmes hollywoodianos dos anos 40 e 50.

    Por fim, vale muito lembrar que “Superman, o Filme” (1978) retorna às telonas em versão remasterizada. Uma ação da Warner para celebrar os 45 anos do filme, além de promover o documentário contando a trajetória de seu ator principal: “Super/Man: The Christopher Reeve Story”. 

    O documentário estreia dia 17 de outubro e conta a história de vida do astro americano, que saiu do anonimato ao estrelato ao protagonizar o filme objeto de discussão desta crítica. Após grande sucesso do filme e suas sequências, o ator virou símbolo e teve sua imagem fortemente vinculada ao próprio Superman no imaginário popular. Em 95, Reeve sofreu um acidente e perde os movimentos de seu corpo do pescoço para baixo. A partir daí, passa a ser símbolo também de superação, apoiando diferentes causas sociais financeira e ideologicamente.

    Se você nunca viu, ou mesmo se já viu, vale muito correr para assistir “Superman, O Filme” (1978) nas telonas. É certeza de uma experiência única, misturando fantasia, elementos de ficção científica, uma estética absolutamente glamourosa (as botas vermelhas são demais!) e trilha sonora marcante. Sem contar a eterna encarnação de Christopher Reeve como o Homem de aço, que perdurará eternamente como uma das maiores sinergias entre personagem e ator. É um clássico que, como qualquer outro que atinge o status de atemporal, envelhece como um vinho, reforçando os motivos que o fizeram atingir tal patamar e imprimindo experiências que só seriam possíveis através de sua própria existência.

    Leia também:

  • CRÍTICA | Golpe de Sorte em Paris é um filme do século passado

    CRÍTICA | Golpe de Sorte em Paris é um filme do século passado

    Em Golpe de Sorte em Paris, o polêmico diretor Woody Allen retorna com mais do mesmo para quem gosta de desligar o cérebro

    É praticamente impossível falar sobre o filme Golpe de Sorte em Paris, mais novo longa do renomado diretor Woody Allen (89), sem mencionar o histórico, no mínimo, controverso do diretor e roteirista. Entre diferentes acusações de assédios e abusos sexuais, a maioria vinda  de membros de sua própria família, talvez o episódio mais polêmico (e de maior repercussão midiática) seja o casamento entre Allen e Soon-Yi Previn em 1992, que dura até os dias de hoje. Além da grande diferença de idade entre os dois, Soon-Yi também é filha adotiva de Mia Farrow, ex-esposa de Woody Allen, e irmã adotiva de Dylan Farrow, supostamente abusada por Allen também em 92 e principal acusadora do diretor.

    "Golpe de Sorte em Paris" | O² Filmes

    “Golpe de Sorte em Paris” | O² Filmes

    Partindo da premissa de que é impossível analisar qualquer obra sem contextualizar a vida de seus autores, o estigma de sua conturbada relação familiar e graves acusações criminais sempre precederá as impressões de seus filmes para espectadores mais atentos. Esta, como alguns outros elementos que serão explorados mais à frente neste texto, será para sempre mais uma marca registrada na interpretação dos filmes de Woody Allen, que segue, do auge de seus 88 anos, a saga incansável de lançar praticamente um filme por ano.

    Falando em marcas registradas, além da já citada, este filme carrega todos os outros elementos mais característicos do diretor americano, que começou a ganhar destaque na Nova Hollywood dos anos 70. Introdução em cartelas e ligh jazz de trilha sonora, o personagem escritor com tendências de mania e obsessão, a cidade como personagem (nesse caso, Paris) e, principalmente, o tom leve e, ao mesmo tempo, ácido com que o diretor desenvolve suas narrativas.

    Aprofundando mais no audiovisual em si, vale muito destacar o trabalho simples e primoroso de cada um dos setores quee constroem, de maneira sólida, direta e divertida, um longa-metragem nos moldes mais clássicos do movimento que ficou conhecido como Nova Hollywood. O filme funciona quase como uma fábula sobre sorte e azar, envolvendo seus poucos personagens numa trama de crime e traição sem abrir mão da comicidade e ritmo de comédia romântica.

    A história gira em torno de Fanny (Lou de Laâge), uma jovem francesa que reencontra, por acaso, andando na rua, Alain (Niels Schneider), um antigo admirador secreto dos tempos de criança. A trama ganha proporções mais complexas na medida em que Fanny começa a se relacionar com Alain, mesmo sendo casada com o rico, controlador e misterioso Jean (Melvi Poupad), que irá até as últimas consequências para manter o status de sua “noiva-troféu”.

    O roteiro busca reforçar a dúvida da protagonista diante dos dois pretendentes, que se opõem de maneira vertical em todos os aspectos. Alain é um escritor, apaixonado pela vida, pelo acaso e por Fanny. Já o empresário Jean é um ricaço frio parisiense, que faz mistério sobre a real natureza de sua riqueza e possui um histórico de sociedades suspeito.

    "Golpe de Sorte em Paris" | O² Filmes

    “Golpe de Sorte em Paris” | O² Filmes

     Alain acredita que reencontrou Fanny na rua por pura sorte. Já Jean tem certeza que constrói sua própria sorte e que seu casamento com Fanny é advento de seus próprios méritos.


    Além das características básicas de cada personagem, a direção também opta por uma linda alternância de cenários e cores, que se associam diretamente aos sentimentos de Fanny ao se relacionar com cada um deles.

    Enquanto Alain é apresentado com cores quentes, normalmente ao ar livre ou em lugares pequenos e aconchegantes, Jean reforça o estereótipo do ricaço frio com cores azuladas, cenários internos grandes e opressores e comportamento controlador. Os diversos funcionários que servem Jean também reforçam seu comportamento narcisista ao serem retratados sempre parcialmente nos planos, nunca completamente incluídos na imagem e sempre distanciados de seus patrões.

    A fotografia capta de maneira sublime esta oposição, utilizando a cidade de Paris de maneira magistral (e fazendo questão de fugir de suas representações mais estereotipadas).  A adição do jazz como trilha sonora em associação à trama e fotografia consolidam o clima divertido do longa, que funciona como uma longa, ácida e agradável piada, sendo sua triunfal punchline reservada ao final do filme.

    A mudança de ritmo no meio do filme e exploração surpreendente de algumas personagens também são elementos que ajudam a distanciar a obra dos enlatados de comédia hollywoodianos da atualidade, mostrando que é possível fazer um filme que seja ao mesmo tempo tradicional, divertido e inventivo, com uma trama deliciosa de acompanhar, aliando simplicidade e criatividade.

    É comum, ao criticar filmes blockbuster de caráter mais “pipoca”, receber comentários como o seguinte:

    “Eu vejo o filme para ‘desligar o cérebro’ e embarcar na história.”

    Criando um estigma de que filmes ditos cults teriam necessariamente que  possuir uma narrativa mais complexa, com alto grau de dificuldade para interpretação. E pior, implicando que filmes ditos “pipocas” teriam que incluir narrativas simplistas e lineares, excluindo possíveis complexidades de seus personagens.

    Neste caso, Golpe de Sorte em Paris é um prato cheio para refutar essa lógica. O filme é construído tecnicamente de maneira primorosa, a narrativa é leve, engraçada e de fácil compreensão, dando de 10 a zero na grande maioria dos filmes atuais de comédia que mal conseguem arrancar uma cena com risadas de seus espectadores, como é o caso de filmes recentes como “Todos Menos Você” (2023) e “Que Horas Eu Te Pego?” (2023)

    "Golpe de Sorte em Paris" | O² Filmes

    “Golpe de Sorte em Paris” | O² Filmes

    Por fim, o novo longa de Woody é, definitivamente, um filme do século passado, no bom e no mal sentido: Praticamente exclui questionamentos sociais além de uma breve oposição de classe entre os protagonistas, não abarca questionamentos sobre cibercultura, internet e novas tecnologias. Ou até mesmos questões de gênero, raciais, entre outras pautas latentes do século XXI. Não utiliza nenhum efeito de imagem inovador (o que não é um problema, na verdade) e carrega a maioria de elementos e marcas registradas que seu polêmico diretor carrega em todos os seus numerosos filmes desde os anos 70. 

    Mas também, com protagonismo da fotografia e trilha sonora, o longa trabalha de maneira sublime e criativa as diferentes ferramentas que constroem uma narrativa audiovisual, utilizando os recursos de maneira muito sensível ao conteúdo, fugindo de clichês do gênero e personagens unidimensionais. Com originalidade e privilegiando decisões artísticas às mercadológicas. A decupagem e direção seguem um modelo clássico popular do século XX e privilegiam a criação e sensibilidade artística à exploração dos aparatos técnicos disponíveis. Uma receita batida de outros tempos de Hollywood, mas que pode ser exatamente um pouco dos que os filmes atuais de comédia precisam.

    Ao longo de sua longa carreira, Woody Allen acertou e errou inúmeras vezes ao produzir e reproduzir sua fórmula particular de criar filmes. Neste caso, trata-se de um acerto. Um bom e divertido filme de comédia, o primeiro do diretor em que a língua principal não é o inglês. Sua duração transcorre de maneira muito agradável e o final fornece uma espécie de satisfação irônica, como uma piada de um senhor de idade que, apesar dos pesares, segue produzindo ativamente e entregando obras com sua qualidade típica.

    Leia também:

  • CRÍTICA | Robô Selvagem é tudo menos o seu título

    CRÍTICA | Robô Selvagem é tudo menos o seu título

    Robô Selvagem vale ser prestigiado no cinema só pela incrível técnica de animação.

    Ao acordar em um local desconhecido, que não apresenta a espécie humana para ajudar, sendo este um objetivo pelo qual foi criada, a robô decide ficar na selva quando encontra um ganso sobrevivente de um acidente que matou sua família e necessita de auxílio para continuar vivo.

    Conforme a obra se desenrole, novos animais vão surgindo, ganhando presença e todos os problemas que precisam ser recebidos, vão ganhar sua conclusão até a reta final. Ou seja, os clássicos arquétipos vistos na maioria das animações se encontra aqui, seja uma mensagem bonita para sua conclusão ou a luta final que dá no que você espera.

    thumb 1920 1367326

    Robô Selvagem | Dreamworks

    Robô Selvagem é clichê, mas de modo algum deve ser desmerecido por isso, visto que a maioria dos filmes são assim atualmente e sua jornada, ainda que óbvia, consegue ser extremamente prazerosa de se acompanhar. Os personagens são carismáticos, as vozes estão boas, a trilha sonora de Kris Bowers é linda, do tipo que sai da sala com ela na cabeça, e a direção de Chris Sanders é competente.

    Agora, a animação desse filme é realmente o que o torna grande e atrativo. Da mesma forma que Avatar tinha uma história batida e sempre foi vangloriado pelos seus efeitos visuais, o modo como foi produzida a arte desse longa-metragem, em conjunto com o cuidado dado para a direção de arte e fotografia, é aquilo que o faz ser um chamariz para ir ao cinema.

    A mistura de 2D com 3D é uma escolha que tem se mostrado cada vez mais acertada para o gênero de animação recentemente, então já tendo seguido este caminho em “Gato de Botas 2: O Último Pedido“, a nova produção da Dreamworks se estiliza da mesma forma, só que aposta mais em uma arte que remete à uma pintura. Tornado este caso um espetáculo visual!

    thumb 1920 1355089

    Robô Selvagem | Dreamworks

    A única situação da narrativa que pode quebrar a imersão vem da infeliz escolha de nada parecer realmente um risco. O robô e os animais se metem em umas situações que na cena seguinte são superadas, tirando o senso de perigo e urgência que são necessários para se comover mais com o todo.

    Todavia, vale dizer que a mostra verdadeira do mundo selvagem dá um gás interessante para um desenho feito direcionado para o público infantil, porque os animais morrem direto na natureza, e no filme se escuta acontecendo, do mesmo jeito que o tal caso recorrente chega a ser feito de piada, que em sua grande maioria funciona, então traz uma veracidade que costumava ser incomum em animações antigas que apenas citavam a ideia do ciclo da vida.

    No mais, trazer um robô cuidando de um animal e se sentindo solitário, ao mesmo tempo que fica procurando concretizar aquilo que foi feito pra fazer… ajudar, acaba por investir em uma reflexão sobre objetivos, o que fomos criados pra fazer e o que talvez pareça prejudicial de primeira, vai encaminhar para uma jornada que envolverá mais gente e mudará cada uma de um jeito positivo.

    Sendo assim, ao trabalhar mensagens como gentileza, comunhão e amor, Robô Selvagem acaba sendo uma animação positiva, com um visual estonteante, um ritmo contagiante e um universo interessante que ainda pode ser explorado no futuro, mesmo que não precise. Indo contra o medo proposto pelo título, a oportunidade de desfrutar algo caloroso por uma hora e meia não deve ser perdida.

    Veja também:

  • CRÍTICA | Fantasmas Ainda Se Divertem é como uma locomotiva acelerando lentamente até seu ponto máximo

    CRÍTICA | Fantasmas Ainda Se Divertem é como uma locomotiva acelerando lentamente até seu ponto máximo

    Apesar de problemas com tom, “Os Fantasmas ainda se divertem” é uma sucessor digno do clássico de 1988.

    Se conseguimos ver Beetlejuice novamente na tela grande, devemos agradecer à Netflix. A partir da série Wandinha, Tim Burton se reconectou ao prazer de trabalhar após ter considerado a aposentadoria depois do fracasso de Dumbo (2019). Segundo entrevista dada no 81º Festival de Veneza, “Os Fantasmas ainda se divertem” é um recomeço para o cineasta.

    A sequência se inicia da mesma maneira que o clássico de 1988, com um voo rasante pela cidade e terminando na casa que conhecemos tão bem. Danny Elfman, compositor carteirinha de Tim Burton, engrandece o tema original em diversos momentos do filme.

    A partir disto, somos reintroduzidos à velhos personagens: Lydia Deetz continua gótica e atormentada por fantasmas do passado, Delia Deetz continua fazendo arte e roubando o filme para si, e por fim Beetlejuice, o demônio que continua o mesmo após todos estes anos.

    CRÍTICA | Fantasmas Ainda Se Divertem é como uma locomotiva acelerando lentamente até seu ponto máximo

    Os Fantasmas Ainda Se Divertem”- Divulgação Warner Bros

    A premissa inicial é simples: Três gerações da família Deetz: Lydia, Delia e Astrid, filha de Lydia, se reúnem novamente em Winter River. Lydia tenta se aproximar da filha, porém, a relação das duas é frágil após a morte do pai de Astrid. Quando a menina é sequestrada e levada ao submundo, Lydia não tem opção a não ser chamar Beetlejuice para auxiliá-la.

    O primeiro ato e meio desta jornada aparenta ser uma busca por tom, na medida que contextualiza os problemas e as relações, o filme aparenta esquecer a simplicidade que fez o primeiro um clássico para inicio de conversa, fazendo o público esperar o momento que as peças acabam de ser arrumadas, para finalmente o jogo começar no segundo ato e principalmente no terceiro.

    Diferente do primeiro filme, a sequência apresenta um arco dramático ao focar na relação das três mulheres Deetz, porém, saídas fáceis de roteiro fazem a produção perder a força. Sejam personagens interessantes como Wolf Jackson, interpretado por um certeiro Willem Dafoe, e Delores, interpretada por uma estonteante Monica Bellucci, mas que não acrescentam nada no grande escopo da narrativa, ou momentos de virada que conseguimos ver desde o primeiro segundo, a paixonite de Astrid e seu “segredo”, por exemplo, mesmo a relação de Astrid e Lydia não foge da clássica mãe e filha do gênero Blockbuster.

    beetle 1

    “Os Fantasmas Ainda Se Divertem”- Divulgação Warner Bros

    Os melhores momentos da sequência ocorrem quando Tim Burton se solta dentro de seu universo, seja uma sequência em preto e branco e narrada em italiano, uma Monica Belluci sendo reconstruída ao som de Bee Gees, uma sequência em stop motion que mostra a morte de Charlie Deetz, ou um terceiro ato que remete aos bons tempos de Looney Tunes.

    Ao longo da produção, Michael Keaton prova mais uma vez como é perfeito para este papel, seja realmente assumindo a posição de demônio possessor em uma cena musical ao som de MacArthur Park de Donna Summer, ou com um charme canastrão presente em todos os momentos que aparece na tela.

    Toda a construção de mundo gira em torno de seu personagem, mesmo na sua ausência. Tim Burton amplia este mundo inicialmente criado 36 anos atrás, utilizando do conhecimento pre existente do público perante o mundo apresentado, a direção de arte apresentou uma forte liberdade para colori-lo e planeja-lo da maneira que quiser, assim, se tornando um dos pontos fortes da produção. Além disto, a produção, não usa efeitos visuais à todo momento, preferenciando efeitos práticos que favorece a estética Burtoniana e evita erros como os de Dumbo e de Alice no País das Maravilhas (2010).

    No grande escopo, “Os Fantasmas ainda se divertem” apresenta erros principalmente nos dois primeiros atos, no qual a produção ainda está tentando encontrar o caminho, mas, ao final, é eficiente como a sequência de um clássico consagrado, trazendo momentos cômicos, personagens carismáticos, cenas marcantes e uma diversão garantida para os fãs do original.

    Leia mais

  • CRÍTICA | Hellboy e o Homem Torto é um filme que você esquece logo após a sessão

    CRÍTICA | Hellboy e o Homem Torto é um filme que você esquece logo após a sessão

    Hellboy e o Homem Torto parece um episódio de um projeto independente que conseguiu vazar.

    Durante a viagem de retorno, um ser capturado escapa, levando ao Hellboy e sua parceira seguirem por um percurso improvisado, do qual entrega nas mãos da dupla um novo problema para resolver. O tal Homem Torto que dá título para a obra e vai bagunçar com a cabeça de quem procurar entrar em seu perverso caminho.

    Partindo de uma sinopse simples, igualmente simplório acaba sendo a forma que a narrativa do filme é construída, explorada e finalizada, já que a direção de Brian Taylor soa vazia ao tratar seus personagens como a caricatura que provavelmente os representa nos quadrinhos, contudo, o faz sem dar um tom divertido para amenizar a parte galhofa (algo que a trilogia Deadpool soube fazer) e sem apresentar um real sentido para a realização deste projeto.

    hellboy jack 1

    Hellboy e o Homem Torto | Millennium Media

    Hellboy e o Homem Torto soa amador conforme se passe mais tempo dentro de seu universo. A trilha sonora se mantém em uma mesma estrofe para marcar, mas acaba soando irritante pela repetição. A fotografia está sempre buscando trazer um plano ou visão diferenciada das situações, funcionando em algumas ocasiões. A maquiagem prática ajuda para trazer credibilidade, mas não impede de tornar visível os efeitos visuais para com a aranha ou o descarrilamento de vagões.

    A trama episódica do filme, falha em mostrar uma relevância para com um momento diferente da vida do protagonista, na qual poderia apresentar uma situação que mudou sua forma de agir ou ver algumas coisas, para trazer um Hellboy qualquer, que não conquista quem não o conhece e nem necessariamente agrade os fãs de suas versões anteriores no cinema, podendo apenas dar gosto para quem conhece o quadrinho que está adaptando, intitulado “The Crooked Man”.

    Sendo este, um fator que atrapalha, porque ainda que certos comentários feitos no começo ganhem resposta ao final, deixando a trama coesa. O terror proposto não alcança a resposta que gostaria de causar, onde mesmo com uma saturação mais pesada ou a utilização de efeitos sonoros bruscos para assustar, suas escolhas técnicas soam perdidas pela imersão não vir já que tudo soa tão banal, como um personagem surgir aleatoriamente pra entregar as informações que vai auxiliar, que dificulta a vontade do espectador de continuar nessa tal aventura.

    image 10

    Hellboy e o Homem Torto | Millennium Media

    Muito pior do que a sensação frustrante pelos erros de um filme ou a expectativa criada não ter sido alcançada, é a sensação apática, indiferente, que se sente para com uma obra, onde ela falhou em minimamente capturar quem assiste para se apaixonar pelos seus personagens ou sair querendo falar sobre. O caso de Hellboy e o Homem Torto é de que no momento que os créditos subiram, parecia que um comercial longo tinha sido visto e a próxima etapa era ir na bilheteria comprar ingresso para finalmente ver um filme.

    E vale dizer, o problema não está de modo algum na obra parecer independente ou ter pouco orçamento para fazer algo que Hollywood gostaria, pois a produtora A24 já entregou diversos filmes com um orçamento menor que 50 milhões e uma qualidade superior à vista aqui. Por tudo que gostaria de causar, entretenimento ou terror numa narrativa episódica, fica mais fácil recomendar um episódio aleatório da série Supernatural, que vai facilmente agradar mais, do que um conto que podia ter continuado no papel.

    Leia também:

  • CRITICA | Os Fantasmas Se Divertem fica mais divertido a cada vez que assiste

    CRITICA | Os Fantasmas Se Divertem fica mais divertido a cada vez que assiste

    Lançado em 1988, Os Fantasmas Se Divertem continua um dos melhores trabalhos de Tim Burton.

    É assustador pensar que Os Fantasmas Se Divertem foi um dos primeiros longas metragem de Tim Burton pro cinema. Uma produção que não apresenta aprofundamento dramático nenhum, porém, apresenta um trabalho exemplar de construção de mundo, uma história simples e o principal: uma forma de entretenimento para as massas que é somente isto, diversão.

    O filme se tornou um clássico, entre diversos motivos, por conta de sua história despretensiosa, um casal falece e para conseguir um pouco de paz, deve achar uma maneira de expulsar os novos moradores de sua casa, sem sucesso, tentam contratar um bio exorcista para auxiliar, com consequências desastrosas.

    CRITICA| Os Fantasmas Se Divertem fica mais divertido a cada vez que assiste

    Michael Keaton e Winona Ryder em Beetlejuice- Warner Bros

    A premissa é banal, na mão de qualquer pessoa o filme poderia ser facilmente esquecível, porém, é a mão forte da direção de Burton, algo perdido em seus últimos trabalhos como Dumbo (2019) e O Lar das Crianças Peculiares (2016), que o jogou para clássico. Aos 30 anos de idade, Burton sabia exatamente o que gostaria de alcançar na produção, ao mesmo tempo que estava construindo a figura pública que iria se tornar, um homem deslocado, apaixonado pela estética gótica, pelo grotesco, pelo sobrenatural, pelo fantástico e pelos desajustados sociais.

    Beetlejuice não é a exceção à regra, possivelmente trilhando o caminho que Burton seguiria no futuro. O filme é composto por personagens amáveis e cenas marcantes, além de uma das representações mais divertidas sobre a vida após a morte que já foi filmada, e continua sendo 36 anos depois, no ano que será lançado sua sequência.

    A época em que foi produzido auxiliou o sucesso do filme, uma produção que transborda paixão e amor pelo trabalho de todos os envolvidos a todo momento, desde a direção de arte até as escolhas pontuais das músicas, somado a um roteiro rápido e simples, uma trilha sonora de Danny Elfman, músicas de Harry Belafonte e o próprio Beetlejuice sendo um dos personagens mais memoráveis do cinema.

    1000067855

    Os Fantasmas Se Divertem – Warner Bros. Pictures

    Tim Burton e Michael Keaton não estavam preocupados em fazer um clássico, eles queriam fazer um filme em que ambos se divertissem, assim, transmitindo este sentimento para a audiência. A direção é cuidadosa para transmitir um sentimento do bizarro, sem escapar do senso de realidade. Mesmo no além, os fantasmas apresentam traços humanos e cada vez que se assiste o filme, percebe-se algo novo, no meu caso foi a divisão final da casa entre metade para os Deetz e metade para os Maitland, exemplificado pelo papel de parede.

    Beetlejuice não é um filme perfeito, mas, gerou uma legião de produtos, fãs, e até mesmo um musical na Broadway com uma história semi original , porém, respeitando os traços e o cuidado que Burton apresentou na construção de um mundo com fortes referências ao movimento expressionista alemão.

    Burton falou em uma entrevista no 81º Festival de Veneza, que apresentou a estreia mundial de Beetlejuice Beetlejuice, a sequência do filme original, que nunca entendeu o sucesso do filme. Talvez seu sucesso tenha sido a soma do contexto da época, de uma produção bem cuidada, uma história simples e fácil de acompanhar, atores marcantes e um senso de diversão que traz risos à jovens e adultos há 36 anos, afinal, quem não abre pelo menos um sorriso até hoje ao escutar “Day-O”?

    Leia mais:

  • CRITICA| Faltando o épico, Kaos é típica série NETFLIX

    CRITICA| Faltando o épico, Kaos é típica série NETFLIX

    Ao retratar mitos gregos, Kaos tropeça na falta de rimo e coerência

    De Charlie Covell, o mesmo criador de The End of The F***ing World, Kaos é uma série que reimagina mitos e personagens gregos para o século XXI de forma criativa, porém, em retrato tumultuado e inorgânico.

    A série pega mitos gregos clássicos e os adapta para o século XXI. Histórias como Orfeu e Euridice, Ariadne e os 5 deuses do panteão grego que foram reservados para a primeira temporada: Hera, Poseidon, Hades, Dionisio e Zeus, são intercalados com outros personagens e histórias que vão de Ovidio à Homero.

    CRITICA| Faltando o épico, Kaos é típica série NETFLIX

    Enquanto acompanhamos estes núcleos, conhecemos diversos outros personagens que são jogados de escanteio após fazerem uma coisa que auxilia no andar da narrativa, as Fúrias são o maior exemplo, juntamente com Caronte. Ao final, os fãs de mitologia grega conseguem relacionar personagens que leram tantas vezes em livros, porém, tirando Euridice, Caenus , Ariadne e os deuses, poucos recebem destaquem ou valor por si só.

    A mitologia grega é algo presente no imaginário popular e que atrai diferentes públicos, reimaginar isso para os dias atuais é uma mina de ouro, em alguns aspectos a série acerta: a representação de Zeus como um homem inseguro e frágil é o ponto forte da produção, porém, a partir de um problema de tom, a série se perde, e se perde muito.

    A partir de uma desconstrução de mitos, deduzidos por Covell que seu público já tem ciência, é criado todo um universo que remete à The Boys e Deuses Americanos, mas, sem o carisma ou a força narrativa apresentada por estas séries, ao tentar adaptar muitas histórias de uma só vez, a série se perde dentro de uma narrativa inflada que se segura pelo carisma de um excelente Jeff Goldblum.

    Por conta de uma fotografia e direção de arte típica de série da NETFLIX, ou seja, econômica e sem muitos destaques, momentos épicos se tornam pequenos. Durante toda a série acompanhamos o arco de Euridice no submundo, um lugar inteiramente em preto e branco, porém, a impressão em certos momentos é que somente colocaram um filtro de Photoshop e deixou por isso.

    kaos 1

    Aurora Perrineu em Kaos- Foto divulgada pela NETFLIX

    O forte das séries do streaming acaba sendo as músicas, tendo sido responsável por ressuscitar Kate Bush na 4º temporada de Strager Things , e nisto a série não decepciona, porém, sua maior potência, vira seu maior problema em alguns momentos. Kaos usa a música para determinar sentimentos, seja ABBA como introdução para Dionisio, ou David Bowie para Zeus, porém, diversas vezes a música não bate com a cena e fica tosco, quase cômico, como se a narrativa servisse a trilha, e não o contrário.

    Esquecível em sua grande parte, com um gancho para uma segunda temporada ainda maior, que talvez jamais ocorra, Kaos tem seu valor por conta da adaptação de histórias tão preciosas quanto os mitos gregos, porém, ao tentar se tornar algo épico, cai na mesmice e em algo genérico dentro de um serviço de streaming recheado de séries assim.

    Leia mais:

  • CRÍTICA | Vovó Ninja marca por ter elenco estrelado, mas com trama que não corresponde a altura

    CRÍTICA | Vovó Ninja marca por ter elenco estrelado, mas com trama que não corresponde a altura

    Vovó Ninja é um filme que, apesar de seu elenco conhecido e talentoso, acaba entregando uma experiência mediana e, em muitos aspectos, pouco memorável.

    Com a direção de Bruno Barreto, Vovó Ninja traz Glória Pires em um papel que parece ser um alívio para sua carreira de atriz de renome, oferecendo uma atuação que, embora confortável, não é particularmente desafiadora para a mesma. O enredo, que gira em torno de uma avó zen com habilidades surpreendentes em kung fu e a tentativa de seus netos de descobrir seus segredos, promete um misto de comédia, drama e aventura, mas acaba sendo mais uma fórmula conhecida do que uma inovação cinematográfica.

    O roteiro se esforça para trazer uma sensação de nostalgia e explorar dinâmicas familiares, mas frequentemente recorre a clichês que não conseguem evoluir para algo mais profundo. A ideia de uma avó reclusa que revela habilidades especiais após um evento inesperado é intrigante na teoria, mas na prática, o filme parece se arrastar por uma trama previsível e totalmente jogada na tela. A tentativa de roubo dos vizinhos ao sítio da vovó e a subsequente descoberta das habilidades de kung fu de Arlete (Gloria Pires) introduzem um elemento de mistério, mas esse aspecto é rapidamente resolvido de maneira simplista e sem grandes surpresas.

    A dinâmica entre Arlete e seus netos — João, Elis e Davi — é um dos pontos que poderia ter sido mais explorado. A avó, que não tem muita afinidade com as crianças e é retratada com uma indiferença inicial, acaba se envolvendo com elas de uma maneira que parece forçada. O desenvolvimento dos personagens é superficial e não oferece uma conexão tão profunda com o público quanto deveria. O filme não consegue criar uma empatia genuína pelos personagens, o que é uma grande perda, especialmente quando se tem atores talentosos como Glória Pires e Cleo Pires em cena.

    unnamed 11

    Vovó Ninja | Galeria Distribuidora

    Glória Pires, apesar de sua vasta experiência, está claramente em um papel que não desafia suas habilidades. Sua atuação como Arlete é descontraída, mas falta a ela a profundidade necessária para tornar o personagem verdadeiramente cativante. Cleo Pires, como Marina, também contribui com uma atuação que, embora sincera, não consegue resgatar o filme do marasmo narrativo.

    O uso de kung fu, embora seja uma tentativa de adicionar dinamismo ao enredo, se torna um elemento mais pitoresco do que uma parte integral da narrativa. As cenas de ação são divertidas e engraçadas, mas não são suficientes para compensar a falta de profundidade na história e nos personagens.

    O clímax do filme, que aborda a reconciliação entre Arlete e Marina, é previsível e clichê. A revelação de que Arlete teve que abandonar Marina para aprender kung fu na China é uma reviravolta que, embora tente trazer uma camada de complexidade à relação mãe e filha, se revela mais como um recurso dramático superficial do que uma exploração real dos conflitos emocionais. A resolução é rápida e pouco satisfatória, fazendo com que a jornada emocional pareça apressada e rasa.

    vovo ninja 01

    Vovó Ninja | Galeria Distribuidora

    Vovó Ninja” é um filme que não consegue ir além do básico. Apesar das boas intenções de capturar a essência da nostalgia e explorar temas familiares, a execução deixa a desejar. Com um enredo previsível e um desenvolvimento de personagens que não consegue criar uma conexão real com o público, o filme se torna uma experiência que rapidamente se dissolve na memória de quem o assistiu.

  • CRÍTICA | Longlegs – Vínculo Mortal, um terror agonizantemente bom

    CRÍTICA | Longlegs – Vínculo Mortal, um terror agonizantemente bom

    Chega aos cinemas nesta quinta-feira, 29 de agosto, Longlegs – Vínculo Mortal, o tão aguardado terror que vem causando alarde ao redor do mundo.

    Longlegs – Vínculo Mortal é um filme de suspense e terror de Osgood Perkins (A Bela Criatura que Mora Nesta Casa Sou Eu) que traz o vencedor do Oscar Nicolas Cage como o principal antagonista. Ele acompanha a história da agente do FBI Lee Harker (Maika Monroe, de Corrente do Mal), que está tentando rastrear o serial killer Longlegs. O caso toma outro rumo quando a detetive descobre uma conexão pessoal macabra com o assassino e tenta pará-lo antes que ele faça mais vítimas.

    O elenco ainda conta com Blair Underwood (Impacto Profundo), Alicia Witt (Lenda Urbana), Michelle Choi-Lee (Loucas em Apuros) e Kiernan Shipka (O Mundo Sombrio de Sabrina).

    Do visual sinistro a performances incríveis, Longlegs é de fato o melhor filme de terror do ano até aqui. Perkins trouxe o pesadelo sobrenatural em alguns detalhes bem elaborados e alguns momentos brutais de perversidade. O diretor soube extrair até a última gota para tirar o melhor de seus personagens, reforçado pelas boas atuações de todo o seu elenco, com destaque para Maika Monroe e Nicolas Cage que de fato está irreconhecível no papel, todos os demais tiveram um alto impacto nos personagens principais e eventos que desenrolam o longa.

    Longlegs - Vínculo Mortal

    Longlegs – Vínculo Mortal | Diamond Films

    A primeira metade do longa é estática, completamente tensa e marcante. O diretor trabalha muito bem a mística do suspense de Serial Killers e agentes do FBI, trazendo toques sobrenaturais, diálogos cafonas, sem graça e por alguns momentos maçante, ele está sempre no limiar entre o que é paranormal e o que não é e por isso funciona tão bem.

    Quando Longlegs chega a sua parte final, seu ritmo alucinante vem a tona, fazendo com que seus 100 minutos de duração pareçam pouco, rapidamente alternando de sua forma mais abstrata para o palpável. Respostas claras com pouco espaço para diferentes interpretações, usando um discurso como um disfarce para metáfora onde não há nenhuma.

    Maika Monroe é absolutamente incrível, o público estava vivendo o mesmo que ela, bem como dentro de sua cabeça, seu desespero, sua falta de ar, sua melancolia crescente ao longo do filme, o que o torna tudo muito mais assustador. Um ótimo trabalho de personagem, que lembra Clarice Starling de O Silêncio dos Inocentes, bem escrito e profundamente distorcido. 

    Longlegs - Vínculo Mortal

    Longlegs – Vínculo Mortal | Diamond Films

    Nicolas Cage apresenta uma das atuações mais memoráveis, arrepiantes e enigmáticas como o herege serial killer Longlegs. Conforme o filme avança, começamos a descobrir o mundo estranho de Longlegs através de Lee Harker, alguns episódios psicodélicos, as emoções perturbadoras do limbo em que vive, o ritmo imaculado e a conexão das evidências, o diretor sabia como fazer um filme que pudesse levar o público para caminhar lado a lado com seus personagens. 

    O semblante caótico e quase derretido do assassino de Cage, ficará gravado em muitas mentes, algumas cenas específicas das quais eu legitimamente não consigo esquecer. Embora ele seja apresentado com moderação, sua onipresença permanece. A decisão de omitir sua aparição de todo o marketing foi brilhante, porque a primeira revelação de seu rosto é de fato horripilante.

    Em entrevista ao Entertainment Weekly, Cage revelou que sua inspiração para este papel foi sua mãe, que sofreu com esquizofrenia. “Foi um tipo de performance profundamente pessoal para mim porque eu cresci tentando lidar com o que ela estava passando. Ela falava em termos que eram uma espécie de poesia. Eu não sabia como descrever de outra forma. Tentei colocar isso no personagem Longlegs porque ele é realmente uma entidade trágica. Ele está à mercê dessas vozes que estão falando com ele e fazendo-o fazer essas coisas”, disse o ator.

    Nicolas Cage apresenta uma das atuações mais memoráveis, arrepiantes e enigmáticas como o herege serial killer Longlegs. Conforme o filme avança, começamos a descobrir o mundo estranho de Longlegs através de Lee Harker, alguns episódios psicodélicos, as emoções perturbadoras do limbo em que vive, o ritmo imaculado e a conexão das evidências, o diretor sabia como fazer um filme que pudesse levar o público para caminhar lado a lado com seus personagens. 

O semblante caótico e quase derretido do assassino de Cage, ficará gravado em muitas mentes, algumas cenas específicas das quais eu legitimamente não consigo esquecer. Embora ele seja apresentado com moderação, sua onipresença permanece. A decisão de omitir sua aparição de todo o marketing foi brilhante, porque a primeira revelação de seu rosto é de fato horripilante.

Em entrevista ao Entertainment Weekly, Cage revelou que sua inspiração para este papel foi sua mãe, que sofreu com esquizofrenia. “Foi um tipo de performance profundamente pessoal para mim porque eu cresci tentando lidar com o que ela estava passando. Ela falava em termos que eram uma espécie de poesia. Eu não sabia como descrever de outra forma. Tentei colocar isso no personagem Longlegs porque ele é realmente uma entidade trágica. Ele está à mercê dessas vozes que estão falando com ele e fazendo-o fazer essas coisas”, disse o ator.

    Longlegs – Vínculo Mortal | Diamond Films

    Apesar das atuações, nada neste filme é como O Silêncio dos Inocentes, muitos o comparavam a ele, além de alguns conceitos superficiais. Apesar dos comportamentos semelhantes de Clarice Starling e Lee Harker, em Longlegs seu relacionamento com o assassino é muito menos íntimo, dificilmente vemos o assassino nisso, sua falta de presença é o que torna o caso mais aterrorizante.

    A cinematografia de Andrés Arochi foi excelente, arrastando os elementos assustadores e perturbadores em cada quadro. Ao lado do diretor eles inundam quase a tela com um desconforto arrepiante, empregando os zooms lentos dos anos 70, as proporções de aspecto 4:3 para aumentar o pavor e claro o filme de 35mm é a cereja do bolo. 

    O design de som é único, não depende de jumpscares, mas usa de maneira inteligente o silêncio e a música, o que elevou a narrativa ao topo. Gosto da edição por vezes fantasiosa, de como cada cena parece vinhetada, mas ainda assim conectada, flui extremamente bem. O design de produção e os locais eram tão assustadores e caóticos quanto a própria narrativa. 

    Longlegs - Vínculo Mortal

    Longlegs – Vínculo Mortal | Diamond Films

    Longlegs traz o horror que se esconde à vista de todos, exibindo a terrível indiferença em sua representação abafada do nosso mundo, ele brinca muito brilhantemente com a mistura de elementos básicos do gênero para não tentar algo novo. Ao contrário dos mistérios de detetive que ele visualmente reproduz, não há mistério para resolver, nenhuma verdade para deduzir, as perguntas são respondidas nas cenas em que são propostas.

    O longa tem muitos pontos positivos, mas apesar de toda a sua atmosfera soberbamente comercializada e trabalhada pelo forte investimento no marketing que investiu os mesmos 10 milhões que foram gastos para realizar o filme, no final das contas não corresponde completamente às suas inspirações e aspirações. Eu realmente amei, no entanto, embora nem de longe o quanto eu queria ou esperava, o que claro é culpa minha, mas ainda assim fiquei completamente envolvido por sua terrível utopia.

    Conheça outros trabalhos do diretor aqui e aqui.

    Leia nossas últimas críticas aqui!

  • CRÍTICA | 2° ano de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder se desdobra entre a sombra de Sauron e o brilho de um potencial perdido

    CRÍTICA | 2° ano de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder se desdobra entre a sombra de Sauron e o brilho de um potencial perdido

    O Senhor dos anéis: Os anéis de poder ainda se mostra tímida em explorar o pleno potencial da Terra média.

    A segunda temporada de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder traz um mergulho mais profundo na escuridão que permeia a Terra Média, destacando a jornada de Sauron e sua transformação em Annatar, o Senhor dos Presentes. Com a direção de Charlotte Brändström, ao lado de Sanaa Hamri e Louise Hooper, demonstra uma ambição em expandir o universo da série e deixar nas mãos de quem já possui experiência no assunto, trazendo mais sombras, traições e manipulações.

    A introdução da temporada, ao explorar o passado de Sauron pouco antes de se tornar Halbrand (Charlie Vickers), é uma escolha acertada para aprofundar a complexidade do personagem e fazer com que fosse matada a nossa dúvida referente ao que Halbrand estava fazendo naquela embarcação momentos antes de encontrar Galadriel. Vê-lo se tornar Annatar, seduzindo Celebrimbor (Charles Edwards) com palavras encantadoras, traz uma camada fascinante à narrativa. O tom sombrio da temporada, com mortes brutais e a violência dos orcs sob o comando de Adar, ajuda a criar uma atmosfera mais densa e madura.

    A presença do idioma Sindarin nesta temporada corrige uma das falhas da primeira onde não foi tão bem explorado, trazendo mais autenticidade e fluidez ao mundo dos elfos. Ouvir Elrond (Robert Aramayo) e Galadriel (Morfydd Clark) se comunicando na língua de seus ancestrais é um toque sutil, mas poderoso, que aprofunda a imersão na Terra Média e agrada aos fãs que sentiram falta desse elemento estar mais natural na temporada anterior.

    sauron

    Senhor dos Anéis | Prime Vídeo

    No entanto, Essa série possui diversos problemas. O desenvolvimento entre o Estranho (Daniel Weyman) e Nori Brandyfoot (Markella Kavenagh), apesar de ser uma tentativa de trazer alívio à narrativa, acaba quebrando o ritmo sombrio e denso da série no momento errado. Esse núcleo narrativo, infelizmente, peca por ser maçante e por não trazer algo original para a trama, apesar do Estranho ser um personagem interessante, mas totalmente mal explorado.

    Por outro lado, a introdução de Tom Bombadil, apesar do pouco tempo de tela, é um sopro de ar fresco no momento certo. O mago carismático e enigmático, que nunca havia sido visto em live action, traz mistério e carisma para a trama. Seu envolvimento na jornada do Estranho é um dos pontos altos, mostrando que a série ainda tem a capacidade de surpreender e inovar.

    O envolvimento dos “anãos” de Khazad-dûm com os anéis de poder feitos por Sauron adiciona uma nova camada de tensão e tragédia à narrativa. A série retrata como os anéis corrompem suas mentes, levando-os a uma busca insaciável por poder e fazendo-os perder completamente o senso de razão, principalmente na mente de Durin III. Essa trama é crucial para mostrar o alcance da manipulação de Sauron, ampliando o impacto do vilão não apenas entre os elfos, mas também entre os habitantes de Khazad-dûm, uma raça conhecida por sua resistência e orgulho.

    Infelizmente, Galadriel, que na primeira temporada já demonstrava certa falta de propósito, continua a parecer uma personagem perdida, correndo em círculos em sua busca incessante por Sauron. Sua relação com Elrond ganha mais profundidade devido aos anéis de poder dos elfos, mas sua trajetória ainda carece de direção clara, o que enfraquece seu impacto na história.

    Um dos momentos mais aguardados, a batalha do cerco de Eregion, infelizmente, não consegue entregar o épico que se espera de uma produção com o nome Senhor dos Anéis. A batalha entre orcs e elfos carece de grandiosidade, deixando uma sensação de frustração em um momento que deveria ser de pura emoção e clímax.

    intro 1723666935

    Senhor dos Anéis | Prime Vídeo

    Entretanto, a trilha sonora de Bear McCreary continua impecável, captando a essência da Terra Média de forma magistral. A música, mais uma vez, eleva a narrativa e conecta o espectador ao universo da série de maneira brilhante, principalmente na música “Old Tom Bombadil” na voz do cantor Rufus Wainwright.

    Resumindo, a segunda temporada de Os Anéis de Poder tem um potencial imenso, especialmente com o foco em Sauron como Annatar e sua interação com Celebrimbor. Esses momentos sombrios e tensos são o que realmente fazem a temporada brilhar. No entanto, algumas escolhas narrativas, como o desenvolvimento de personagens secundários e a execução de cenas épicas, acabam tornando a experiência menos empolgante do que poderia ser. Ao final, vemos Sauron saindo de seu isolamento em relação ao final da primeira temporada e começando a formar seu exército, o que promete um futuro ainda mais sombrio para a série.

    Essa temporada solidifica o caminho para algo maior, mas ainda sim precisa de ajustes para alcançar todo o potencial que o universo de Tolkien oferece.

  • CRÍTICA I O Corvo (2024) é uma tentativa de reinvenção que não alcança as sombras do passado

    CRÍTICA I O Corvo (2024) é uma tentativa de reinvenção que não alcança as sombras do passado

    Releitura do clássico de 1994, o novo O Corvo busca se conectar com a geração Z, mas falha em capturar a essência do original.

    Lançado em 1994, o filme “O Corvo” rapidamente se tornou um ícone do cinema gótico dos anos 90. Dirigido por Alex Proyas (“Cidade das Sombras”), o longa destacou-se não apenas por sua estética sombria e trilha sonora marcante, mas também pela trágica morte de Brandon Lee (“Rajada de Fogo”), filho do lendário Bruce Lee (“Operação Dragão”), durante as filmagens.

    Esse triste incidente elevou o filme ao status de cult, gerando uma legião de fãs que se conectaram profundamente com sua narrativa de vingança sobrenatural, em um cenário urbano decadente. A combinação de escuridão visual, melancolia e a performance inesquecível de Lee criou uma atmosfera única, que permanece viva na memória do público até hoje.

    image 5
    O Corvo (2024) I Imagem Filmes

    Agora, em 2024, a nova adaptação de “O Corvo”, dirigida por Rupert Sanders (“Branca de Neve e o Caçador”), tenta revitalizar essa história para a geração Z. Sanders enfrenta o desafio de modernizar uma narrativa atemporal, tentando adaptar a estética gótica do original para um público contemporâneo.

    A proposta deste novo “O Corvo” é reimaginar o visual e o tom do clássico, incorporando elementos modernos que reflitam o contexto do século XXI. O longa da vez busca capturar o espírito rebelde e melancólico que fez do original um sucesso, enquanto tenta se alinhar com os gostos e sensibilidades de uma geração que cresceu em um mundo dominado por redes sociais, tecnologia e uma cultura pop cada vez mais fragmentada.

    image 3
    O Corvo (2024) I Imagem Filmes

    Na trama, Eric Draven (Bill Skarsgård) e Shelly Webster (FKA twigs) são almas gêmeas ligadas por um passado sombrio. Após o brutal assassinato do casal, Eric é trazido de volta à vida com a chance de salvar seu verdadeiro amor, embarcando em uma implacável jornada de vingança.

    Bill Skarsgård (“It – A Coisa”) oferece uma interpretação que, embora não atinja a intensidade e o impacto deixados por Brandon Lee, traz autenticidade ao personagem. Ele confere ao novo Eric Draven uma presença própria, evitando imitar Lee, mas sem inovar significativamente. Sua performance captura a dor e a determinação de Draven, mas também carece da energia visceral que tornou Lee tão memorável. O desafio de interpretar um personagem icônico como Draven é grande, e Skarsgård, apesar de seu esforço, parece sempre à sombra de seu predecessor.

    image 7
    O Corvo (2024) I Imagem Filmes


    O antagonista da história, Vicent Roeg, é vivido por Danny Huston (“O Jardineiro Fiel”). Embora Huston seja um ator talentoso, seu personagem carece do desenvolvimento necessário para se tornar um vilão memorável. A falta de profundidade e motivação enfraquece o conflito central do filme, diminuindo o impacto da jornada de vingança de Eric. Sem um antagonista bem construído, a narrativa perde força, deixando a impressão de que o longa não explorou todo o seu potencial dramático.

    Nisso, o roteiro, assinado por Zach Baylin (“Creed III”), apresenta uma complexidade desnecessária. A história de “O Corvo” é, em essência, uma narrativa de vingança simples e direta, mas Baylin complica o enredo com subtramas e elementos adicionais que acabam ofuscando a trama principal. Em vez de aprofundar a jornada emocional de Eric ou explorar de forma significativa o mundo sombrio em que ele se encontra, o texto se perde em detalhes que não agregam valor à história. A simplicidade poderia ter sido a chave para capturar a essência do original, mas a escolha por uma abordagem mais complicada resulta em uma narrativa truncada e, por vezes, confusa.

    image 9
    O Corvo (2024) I Imagem Filmes


    A trilha sonora também tem seus pecados. Tentando resgatar a atmosfera dos anos 80 e 90, a música se limita a uma imitação do estilo da época, sem conseguir criar uma identidade própria para esta nova versão. Embora tente homenagear o original, ela falha em trazer algo novo e relevante, parecendo mais uma cópia do que uma reinvenção. Se no filme de 1994 ela era central para a construção da atmosfera, aqui parece deslocada e incapaz de proporcionar a mesma intensidade e conexão emocional.

    Em última análise, “O Corvo” (2024) é uma tentativa de atualizar um clássico do cinema gótico para uma nova geração, mas que não consegue se destacar como o original. O longa não é uma completa decepção e tem seus momentos, especialmente nas atuações de Skarsgård e Huston, mas, considerando o material rico do qual se origina, o resultado final é insatisfatório. A nova versão tinha potencial para alcançar voos mais altos, mas acaba ficando aquém, sem capturar a essência que tornou o original tão especial.

  • CRÍTICA| Pisque Duas Vezes é um thriller que explora o impacto da masculinidade tóxica

    CRÍTICA| Pisque Duas Vezes é um thriller que explora o impacto da masculinidade tóxica

    Pisque Duas Vezes – Um surpreendente thriller de estreia de Zoë Kravitz

    Ao longo de sua uma hora e 40 de filme, Pisque Duas Vezes apresenta uma tensão da primeira cena à última, o público, como um ser onisciente e atento ao contexto social, consegue perceber diversas vezes antes mesmo da protagonista, ocasionando uma agonia que não some fácil.

    Zoë Kravitz iniciou o processo de escrita de Pisque Duas Vezes no ano de 2017, na época, o filme se chamava Pussy Island, um nome que reflete sobre o período inicial que o thriller nasceu.

    pisque 2 1

    No fim do ano de 2017, a indústria cinematográfica passou por um forte movimento contra o assédio sexual em locais de trabalho. O movimento #Metoo levou a destituição de Harvey Weinstein de sua própria produtora, The Weinstein Company, após dezenas de mulheres acusarem o produtor de assédio sexual durante um período de 30 anos. Tendo inicialmente negado todas as acusações, em 2020 foi condenado a até 25 anos de prisão, porém, em 2024 sua sentença foi anulada.

    Weinstein não foi o único, o movimento #Metoo levou diversos homens a serem destituídos de seus respectivos cargos, sejam produtores, jornalistas ou atores como Jo Min-Ki, um ator sul-coreano, acusado de assédio por diversas mulheres que participavam do seu curso de atuação, Jo Min-Ki se suicidou um mês depois e em sua carta de suicídio ele pedia desculpas pelo seus atos.

    Apesar da importância do movimento dentro de diversas camadas sociais, ainda vivemos em uma sociedade machista na qual muitos homens se enxergam na posição de usufruírem de uma espécie de anel de Giges, como Platão discute em seu livro A República, assim, podendo cometer atos odiosos de diversos tipos, porém, saindo imunes por conta do poder ou anonimato.

    “Pisque Duas Vezes” é o primeiro trabalho de Zoë Kravitz na direção, apesar de apresentar algumas falhas, uma coisa inegável é a força de sua fotografia na composição de uma tensão que compõem o thriller em sua totalidade.

    O filme gira em torno de Frida, Naomi Ackle, uma garçonete apaixonada por Slater King, um milionário interpretado por Channing Tatum, e que recebe a oportunidade de passar um tempo em uma ilha deserta, junto com ele e outros desconhecidos. Apesar de premissa clichê e o sentimento que o público apresenta, desde as primeiras cenas, que algo estava errado, o mistério e os horrores finais somente são desvendados ao final do filme.

    Todo o elenco apresenta seu momento de brilhar, porém, o destaque é de Channing Tatum, no melhor papel de sua carreira, Adria Arjona e Naomi Ackie em um papel agonizante, passando por todas as emoções possíveis ao longo da produção.

    O roteiro apresenta nítidos paralelos com outras produções do gênero, incluindo o thriller Corra de Jordan Peele, porém, isto não tira o valor que o filme apresenta, seja em seu valor estético ou em sua capacidade de chocar e deixar o espectador agoniado, em cenas com um close de uma personagem que muda sua expressão de blaze para raiva em um intervalo de 30 segundos.

    Ao longo da produção, Zoë Kravitz não economiza metáforas para explorar a angústia feminina da sociedade atual, algo presente, constante em diferentes camadas sociais, porém, que continua existindo mesmo com esta consciência, seja uma síndrome de Cassandra em que por mais que elas gritem, ninguém acredita, ou os diversos assédios e liberdades que homens se enxergam no direito de tomar, somente por serem homens. O movimento #metoo foi importante justamente pelo seu impacto mundial em demonstrar isto.

    Todas as camadas sociais envolvidas no movimento estão presentes no filme de Kravitz, aqueles que praticavam atos de abusos, aqueles que apresentavam consciência destes atos, porém, não agiam para impedi-los, e em uma chocante cena ao final do filme: aqueles que pedem desculpas na vida pública e mesmo assim continuam com os mesmos costumes em sua vida privada.

    O filme é um thriller agonizante e uma montanha russa de emoções, trazendo reflexões, uma metódica fotografia, momentos cômicos pontuais que não destoam da tensão original da produção, um design de som arrebatador e uma direção inicial que nos fará ficar muito atento em futuros projetos de Zoë Kravitz.

    Leia Também

  • CRÍTICA | “Saideira” é uma dramédia brasileira que acerta na narrativa, mas escorrega nas piadas

    CRÍTICA | “Saideira” é uma dramédia brasileira que acerta na narrativa, mas escorrega nas piadas

    “Saideira” tropeça ao tentar ser “dramédia”, mas surpreende pela temática repleta de brasilidade e aconchego

    Em contato com o seu respectivo pôster, o longa “Saideira”, lançamento da Elo Studios, co-dirigido por Pedro Arantes e Júlio Taubkin e estrelado por Thati Lopes e Luciana Paes, pode passar uma primeira impressão de reproduzir algumas fórmulas do cinema brasileiro de comédia recente.

    saideira 1 1 scaled

    “Saideira” | Elo Studios

      A colorização vibrante, título de caráter popular e escolha de atrizes para protagonistas davam indícios de que a produção poderia tentar reeditar as comédia de estereótipos adicionando rostos conhecidos mas de diferentes nichos , como é o caso de filmes recentes como “Os Parças” (2017) e “Farofeiros” (2018). 

    Este tipo de produção pode ocorrer na intenção de reviver a tradição de sucesso da comédia no cinema brasileiro aliado a uma tentativa de renovação do público, unindo o nicho de cinéfilos mais assíduos (neste caso, através de Luciana Paes) com a nova geração  de consumidores da cultura digital (com Thati Lopes, conhecida inicialmente por seus papéis hilários em esquetes curtos do canal “Porta dos Fundos”).

    Mas, para surpresa dos espectadores mais desavisado, a expectativa por mais uma sessão de piadas no estilo pastelão, diálogos em alto tom de voz e personagens com forte representação de estereótipos logo dá lugar à uma narrativa com temática e brasilidades sólidas, mesmo que tropece em alguns momentos entre o drama e a comédia.

    O filme, bom exemplo de “dramédia”, conta a história de duas irmãs que, com a morte do avô, se reúnem novamente para embarcar em uma jornada de autodescobrimento e acerto de contas: uma viagem de carro pelo interior do Estado de Minas Gerais em busca do alambique  responsável por produzir a lendária cachaça que apenas seu avô possuía, a cachaça “Saideira”.

    saideira still day6 011 33324334

    “Saideira” | Elo Studios

    E aqui reside justamente a principal valência desta produção: a temática que mistura relações familiares, história do Brasil e ode à mais brasileira das bebidas alcoólicas, a cachaça. Além, é claro, da deslumbrante ambientação em cidades icônicas como São Tomé das Letras e Ouro Preto, representantes mineiras da rota que ficou historicamente conhecida como Estrada Real. 

    O filme assume um caráter de roadmovie em grande parte de sua duração, e o espectador é transportado pelas estradas mineiras de maneira aconchegante (e também nauseante e cheia de ressaca). Destaque para o ótimo trabalho de cenografia, caracterização e direção de trilha sonora, que são fundamentais para desenrolar a trajetória das protagonistas de maneira leve, construindo uma narrativa agradável e divertida, principalmente, na chave do melodrama familiar.

    Na chave da comédia, o filme não tem o mesmo êxito e leveza que em sua contrapartida. As piadas, apesar de em alguns momentos acertarem no tom, arrancando algumas risadas, sofre com uma falta de consistência e frequência, não sendo tão marcantes para a experiência quanto o mistério em torno do passado das personagens ou outros elementos narrativos mais conectados à chave do drama, sub aproveitando o potencial cômico e artístico de ambas as atrizes protagonistas.

    Os diálogos também não contribuem para que o elenco entregue atuações mais condizentes com seus talentos, trazendo falas muitas vezes óbvias, que acabam por destoar do suspense criado em torno da origem da cachaça “Saideira” e da história dos familiares de Jo e Penélope, as irmãs protagonistas da trama.

    Ainda assim, o filme opta por escolhas criativas de direção para que seu ritmo se mantenha firme ao percorrer este caminho de oscilação entre o humor e o melodrama, característica típica de outras “dramédias” de grande destaque entre o público, como a série norte-americana vencedora do Emmy, “The Bear” (2022) do canal norte-americano FX. 

    Saideira

    “Saideira” | Elo Studios

    Vale aqui o destaque para algumas cenas muito criativas e de bom humor do longa, como a hilária cena de abertura, estrelada pelo gênio Tonico Pereira em ótima forma; a divertida cena em que Penélope, cachaçóloga de sucesso e herdeira de copo de seu avô, dá uma aula sobre a origem e a produção de cachaça no Brasil de maneira animada e dinâmica; e, talvez a melhor de todo o filme, a cena em que Penélope e Jo encontram o personagem do icônico Jackson Antunes para uma longa noite de intensa bebedeira em uma birosca esquecida no remoto interior mineiro, relembrando os melhores momentos de insanidade alcoólica do clássico australiano “Wake in Fright” (1971) do diretor Ted Kotcheff.

    Portanto, apesar de tropeçar na alternância típica das dramédias, “Saideira” afasta os estereótipos da comédia pastelão e abraça a brasilidade de sua narrativa, convidando o espectador para uma divertida viagem pelo interior mineiro, propondo debates sobre familiaridade e regionalismo, apresentando muito do potencial criativo da parceria entre seus jovens diretores e deixando boas expectativas para futuras produções assinadas pela dupla.

    É uma boa recomendação para o filme de domingo com amigos ou família, principalmente se for acompanhado de uma boa dose de pinga.

    Leia também:

  • CRÍTICA I ‘Mais Pesado é o Céu’ é uma Jornada Sem Esperança

    CRÍTICA I ‘Mais Pesado é o Céu’ é uma Jornada Sem Esperança

    Mais Pesado é o Céu transmite uma intensa sensação de desespero e sobrevivência, no meio do interior do Brasil

    A luta pela sobrevivência, em meio ao desespero e à falta de esperança, é um tema poderoso e universal no cinema. Quando a narrativa se desenrola em um cenário de caos e adversidade, o espectador é convidado a mergulhar profundamente nas emoções dos personagens, sentindo suas angústias e medos. Esse mergulho é crucial para criar uma conexão intensa entre a trama e quem a assiste, fazendo com que cada cena de sofrimento e cada tentativa de superação se tornem experiências viscerais para o público.

    Dirigido por Petrus Cariry (“O Barco”), “Mais Pesado é o Céu” segue essa linha, impressionando pela montagem cuidadosa e atmosfera densa. O relato pesado e angustiante, situado no interior do Brasil, cativa e imerge o espectador, em uma história que explora temas de desespero e sobrevivência, de forma intensa e profunda. Cariry utiliza uma abordagem visual, que é ao mesmo tempo poética e brutal, enfatizando a beleza crua da paisagem brasileira, enquanto destaca a dureza da vida dos personagens.

    Imagem 1 2
    Mais Pesado é o Céu I Iluminura Filmes


    A trama segue Antonio (Matheus Nachtergaele) e Teresa (Ana Luiza Rios), que se encontram e iniciam uma jornada pelas estradas, compartilhando lembranças de uma cidade submersa no fundo de uma represa. Este encontro casual, entre duas almas perdidas, cria um vínculo forte e melancólico, onde ambos buscam um sentido para suas existências em um mundo que parece constantemente desmoronar ao seu redor. A narrativa se desenvolve, portanto, como uma metáfora para a perda e a busca de redenção, com a cidade submersa simbolizando os sonhos e esperanças, afogados pelo tempo e pela realidade cruel.

    A sensação de fuga é palpável, com a fotografia de Cariry alternando entre tomadas amplas e claustrofóbicas, transmitindo a falta de rumo dos personagens e aumentando a tensão. Essa escolha estilística não apenas retrata a vastidão do desespero, mas também o enclausuramento emocional, que os personagens enfrentam. Cada plano é cuidadosamente composto para refletir o estado interno de Antonio e Teresa, criando uma simbiose entre o ambiente e a ficção.

    Imagem 2
    Mais Pesado é o Céu I Iluminura Filmes


    O longa funciona como um road movie, com uma ambientação que brinca com a fuga do espectador, mantendo-o preso à narrativa, enquanto deseja escapar dela. A ausência de esperança é o tema central, especialmente em cenas desconfortantes, como quando Teresa se submete à violência para sobreviver. Essas cenas são particularmente impactantes, mostrando o extremo a que os seres humanos podem ser levados, quando todas as opções parecem esgotadas. O choro de um bebê ainda intensifica tal desespero, simbolizando tanto a fragilidade quanto o milagre da vida, em meio ao caos. Tal elemento adiciona uma camada de vulnerabilidade e inocência à trama, contrastando fortemente com a brutalidade do mundo adulto que os cerca.

    As atuações de Nachtergaele e Rios são extremamente fortes, trazendo profundidade emocional que sustenta o filme. Nachtergaele, conhecido por sua capacidade de incorporar personagens complexos e atormentados, entrega uma performance que é ao mesmo tempo poderosa e sutil, capturando as nuances da dor e da esperança. Rios, por sua vez, oferece uma interpretação comovente, de uma mulher que luta contra a desintegração de sua humanidade, mostrando resiliência em face de adversidades insuperáveis.

    image
    Mais Pesado é o Céu I Iluminura Filmes

    No entanto, também há problemas. No meio do longa, a sensação de andar em círculos reflete a confusão e o desespero dos protagonistas, deixando o espectador incerto se isso é proposital ou resultado dos personagens estarem perdidos. Esse aspecto pode ser interpretado como uma crítica à falta de direção na vida de muitos, um espelho da própria busca dos personagens por um propósito. Apesar de isso poder causar tédio, a última cena oferece uma catarse recompensatória, que amarra a explanação de forma magnífica, proporcionando uma resolução emocional que, embora não seja convencionalmente feliz, oferece um senso de fechamento.

    Ao fim, “Mais Pesado é o Céu” representa o lado mais sombrio da natureza humana, mostrando como é difícil acreditar na bondade gratuita, em tempos de crise. Através de uma narrativa envolvente, direção sólida e atuações poderosas, o filme entrega uma experiência cinematográfica profunda e perturbadora. A obra desafia o espectador a confrontar seus próprios conceitos de desespero e esperança, deixando uma marca que ressoa muito depois dos créditos finais.

    Leia também:

  • CRÍTICA | Meu Filho, Nosso Mundo valoriza ter um filho especial

    CRÍTICA | Meu Filho, Nosso Mundo valoriza ter um filho especial

    Meu Filho, Nosso Mundo debate a forma que uma pessoa com autismo é tratada pela sociedade.

    Depois que um comentário sarcástico apavora uma criança com autismo a ponto de fugir e ser atropelada, seu pai decide fugir com ela para uma aventura, em prol de mostrar como aquilo que a torna diferente, também a torna especial, mas não a ponto de precisar ser tratada como tal. O mundo é duro, e é melhor aprender com ele do que viver fora, a ponto de não estar preparado com o que o futuro reservar.

    Sendo assim, “Meu Filho, Nosso Mundo” traz um entretenimento familiar de pai e filho se conhecendo, entendendo e crescendo juntos. Lembrando muito aquela obra que rendeu um Oscar para Dustin Hoffman chamado “Rain Man“, onde entre percalços e situações cômicas, o espectador se comove com uma relação conturbada que fica mais poderosa ao final de sua duração.

    Ezra st 4 jpg sd high Photo by John Baer 1080x720 2

    Meu Filho, Nosso Mundo | Diamond Films

    Ainda que não traga uma verdadeira conclusão para alguns tópicos como a amiga que parecia ser mais do que isso e o adulto que falou algo pecaminoso, desencadeando no acidente da criança, o assunto principal envolvendo a família, o motivo do avô trabalhar com algo, a ausência de uma mãe, o problema que o filho tem com certas coisas e a força do pai em se provar perante o que julgam sobre ele. Tudo isso é trabalhado e concluído de modo agradável.

    A firmeza no chão apresentada pelo longa é algo que o fortalece ainda mais perante as possíveis facilitações que poderia seguir caindo pro clichê, seja diálogos inspirados demais ou momentos onde a trilha sonora impulsiona o espectador a chorar. Aqui, tudo soa muito… honesto. As conversas transparecem veracidade, algumas ações sofrem consequências e quando menos espera, surgem as cenas que podem comover o público.

    MV5BZGU1N2JhMWUtNTk5ZC00YjU4LWIwZjEtYmRjOWE4MDhkYmVhXkEyXkFqcGdeQXVyMTUzMTg2ODkz. V1

    Meu Filho, Nosso Mundo | Diamond Films

    A forma escolhida para retratar o autismo foi ótima pela visão de quem tem pouca familiaridade com o assunto, pois ainda que seja notável as dificuldades que as pessoas podem passar com alguém que tenha esse transtorno, sabiamente a obra escolhe clarear a visão pessimista com a beleza disso, o que acontece ali que realmente a torna especial, incluindo até mesmo as evoluções encontradas para com certos níveis habituais sendo alcançados ou a inteligência demonstrada com algo que a grande maioria teria maior dificuldade em pensar ou responder.

    Vale dizer, acredito que a obra se sair tão bem ao retratar o assunto, vai tanto da interpretação dos atores, no modo como cada um retrata um jeito de tratar um autista, tal qual a presença de William Fitzgerald’s que dá vida ao protagonista e também tem transtorno do espectro autista, mostrando não só a preocupação da produção em falar sobre o assunto, como encontrar uma forma de conversar com cada um que conhece alguém ou sofre do mesmo transtorno.

    Meu Filho, Nosso Mundo é um filme adorável, que tem pitadas de comédia, mas que ao trabalhar com um tema deveras complicado, nunca se deixa ficar dramático ou pesado demais. Cada assunto é abordado de um jeito que você se conecte, se identifique e possa conhecer o mundo que seria só deles. A mensagem do longa-metragem é trabalhada com sabedoria, ao destacar que os autistas não podem ser excluídos do nosso mundo e mesmo com o jeito diferente de ver o mundo, devem receber respeito e carinho, sendo recebidos como se fossem seu próprio filho.

    Veja também:

  • CRÍTICA | 2° Temporada de A Casa do Dragão se torna uma promessa de um futuro brilhante, mas arrastado

    CRÍTICA | 2° Temporada de A Casa do Dragão se torna uma promessa de um futuro brilhante, mas arrastado

    A Casa do Dragão parece um trailer longo, preparando o terreno para os momentos épicos que estão por vir.

    A segunda temporada de “A Casa do Dragão” é como um prato gourmet com uma apresentação impecável, mas que deixa a desejar no sabor. Cada episódio parece mais um trailer longo e provocante para o que está por vir, prometendo um banquete de emoções futuras, mas nos servindo apenas aperitivos.

    Após a saída de Miguel Sapochnik. A série seguiu nas mãos do showrunner Ryan J. Condal, que parece ter perdido um pouco a mão ao decorrer da série, fazendo falta alguém que pudesse ter o auxiliado melhor em certas decisões na trama. Mesmo com com o autor George R.R. Martin envolvido na construção da trama, acaba passando a impressão que ele não está interferindo em nada nas decisões de A Casa do Dragão.

    CRÍTICA | 2° Temporada de A Casa do Dragão se torna uma promessa de um futuro brilhante, mas arrastado

    A Casa do Dragão | HBO | Max

    Daemon Targaryen (Matt Smith), é uma joia rara, mas nesta temporada, ele parece mais uma peça decorativa esquecida em Harrenhal. Suas alucinações, embora intrigantes, soam como um recurso para preencher o vazio da trama, subutilizando tanto o personagem quanto o talento de Smith. É como ter um diamante bruto e usá-lo como peso de papel. Os produtores perderam a chance de explorar a complexidade de Daemon, deixando os espectadores ávidos por mais do que meras aparições sem sentido.

    Alicent Hightower (Olivia Cooke) é um exemplo clássico de um personagem mal desenvolvido. Na trama, ela mais parece uma barata tonta, correndo de um lado para o outro sem propósito claro, vitimizada por circunstâncias que nunca a deixam brilhar. A falta de profundidade em sua construção deixa um vazio que nem as melhores atuações podem preencher. Ela precisava de um roteiro que permitisse sua evolução, mostrando não apenas suas fraquezas, mas também sua força e resiliência.

    Rhaenyra (Emma D’Arcy) é uma protagonista poderosa, mas nesta temporada, ela parece estar presa em um loop interminável, andando em círculos para preencher o tempo de tela. Nos poucos episódios em que realmente brilha, ela nos lembra do seu potencial, mas esses momentos são escassos. É frustrante ver uma personagem com tanto a oferecer ser totalmente nerfada em diversas ocasiões, servindo apenas para manter a narrativa em movimento, sem realmente avançar. Mesmo com o potencial da personagem desperdiçado, Emma D’Arcy tira leite de pedra e nos entrega mais uma vez uma atuação de excelência, assim como foi feito na 1° temporada.

    A trilha sonora de Ramin Djawadi eleva a série a outro patamar novamente. Sua música é uma constante, uma certeza de qualidade em meio à incerteza narrativa. Cada nota é cuidadosamente composta para evocar emoções profundas, lembrando-nos das glórias passadas de “Game of Thrones” e criando uma ligação emocional de calmaria em meio ao caos, que nos faz continuar assistindo, apesar dos tropeços.

    CRÍTICA | 2° Temporada de A Casa do Dragão se torna uma promessa de um futuro brilhante, mas arrastado

    A Casa do Dragão | HBO | Max

    Não há dúvidas de que “A Casa do Dragão” mantém o altíssimo padrão de produção pelo qual a HBO é conhecida. Cada episódio é um espetáculo visual, com cenários deslumbrantes, efeitos especiais de última geração, e uma atenção aos detalhes que beira a perfeição. Desde os grandiosos castelos de Westeros até as majestosas batalhas aéreas entre dragões, a série nunca decepciona em termos de qualidade técnica. O design de produção, a cinematografia e a direção de arte são impecáveis, mostrando que, independentemente dos desafios narrativos, a série entrega uma experiência visual de tirar o fôlego.

    A primeira temporada de “A Casa do Dragão” se destacou pelas atuações intensas e pela capacidade de extrair o melhor da selvageria de cada personagem. Na segunda temporada, essa exigência parece ter sido atenuada, resultando em performances que, embora competentes, carecem do mesmo brilho. A cautela excessiva na trama pode ter impedido que os atores também alcançassem seu pleno potencial, deixando-nos com a sensação de que algo está faltando.

    A segunda temporada de “A Casa do Dragão” se torna uma obra de arte visual e auditiva, que peca pela falta de objetividade e desenvolvimento de personagens. Com atuações padrões e uma narrativa que parece andar em círculos, ela deixa os espectadores ansiosos por um futuro que promete ser brilhante, mas que ainda não chegou. A esperança é que os produtores aprendam com esses deslizes e nos entreguem uma terceira temporada que faça jus ao potencial imenso da série. Mesmo com esses pontos de melhoria, é inegável que a produção da HBO continua a nos proporcionar uma experiência cinematográfica de altíssimo nível, que nos faz acreditar em um futuro extremamente promissor para a série.

    Os 8 episódios de A Casa do Dragão já se encontram disponíveis na Max.